Maestro da Orquestra Ouro Preto fala sobre a história e os planos futuros

Lucas Buzatti
10/12/2018 às 07:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:28
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Rodrigo Toffolo é um maestro que quebra padrões, bem como a Orquestra Ouro Preto (OOP), conduzida por ele. Jovem, antenado e sem grandes vaidades, o mineiro dá o tom do projeto criado há 18 anos e hoje tido como um dos principais pilares da nova música orquestral de Minas Gerais. Conhecida por transitar entre o erudito e o popular, entre o antigo e o contemporâneo, entre o interior e a capital, a OOP é prova de que a música clássica segue viva, pulsante e atenta a seu tempo. Em entrevista ao Hoje em Dia, Toffolo fala de sua história com a música, dos primórdios da OOP, da importância de enfocar a versatilidade e formar novas plateias, além dos planos para 2019.

Como começa a sua história com a música? 
Tive a sorte de nascer e crescer em uma casa musical. Minha primeira referência foi, ao lado de meus irmãos, ouvir meu pai tocando piano. Por sua vez, meu pai me mostrava orgulhoso os discos de vinil de óperas italianas onde meu avô fazia questão de anotar suas impressões: “maravilhoso”, “fantástico”, no lado A e lado B da Traviata, La Bohème, Rigoletto, dentre outras. Conviver com músicos era algo natural na casa do meu pai, e ainda é, assim como tomar um café da manhã ou papear pelas madrugadas no sofá da sala. Não me lembro de nenhum momento sequer sem música.

E como se deu a sua formação musical?
Um dia, cheguei na casa de meu pai com um violino na mão e inscrito no curso de música que foi oferecido, à época, pelo Instituto de Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto. Não por coincidência, instituto que meu pai foi o responsável por fundar anos atrás. Eis o mistério da vida! Tive como primeiro professor Moisés Guimarães, pessoa que tenho a maior admiração e gratidão. Me levou à escola do Sesiminas, onde pude estudar e tocar em uma orquestra jovem maravilhosa. Segui estudos com Edson Queiroz, Mariana Salles e, por fim, Ricardo Amado. Neste caminho, durante uma conversa com Ernani Aguiar em uma padaria, no Rio de Janeiro, decidi estudar regência na UFRJ. Na mesma universidade, cursei o mestrado em música, dentro do laboratório de etnomusicologia, e atualmente estou terminando meu doutorado em ciências musicais na Universidade Nova de Lisboa.

Qual foi o ímpeto para a criação da Orquestra Ouro Preto (OOP)?
A Orquestra Ouro Preto nasceu no ano de 2000. Meus irmãos, todos músicos, alguns colegas da Orquestra Jovem do Sesiminas e outros colegas músicos de Ouro Preto se juntaram sob o olhar de dois professores da UFOP: Ronaldo Toffolo e Rufo Herrera. O objetivo eram concertos mensais para o público heterogêneo da cidade-patrimônio. Após 18 anos, a Orquestra tomou rumos diferentes e alcançou um patamar que nunca poderíamos imaginar. Os desafios são aqueles que qualquer projeto cultural tem no nosso país, um pouco mais acentuados por estarmos no interior.

Neste ano, a OOP tornou-se residente do Sesc Palladium. O que significa ter uma “casa própria”?
Ser orquestra residente no Sesc Palladium é uma honra para todos e um passo fundamental na vida da orquestra. Com uma agenda constante, podemos nos relacionar como nosso público na capital dos mineiros, assim como produzir a cada ano novos projetos que são a principal característica de nossa orquestra, projetos exclusivos que nos fazem diferentes. Muitos dos nossos projetos nasceram no Palladium e tiveram lá sua primeira estreia.

A OOP é notória por fazer pontes entre o erudito e o popular. De onde vem essa linha-guia?
Nossa preocupação mais intensa e que nos deixa inquietos é a formação de plateia para a música instrumental e, claro, orquestral. Adotamos para isso um lema: “Excelência e Versatilidade”. Quando estamos tocando Mozart, Chopin ou Shostakovich, estamos no campo da excelência; quando estamos com Alceu ou Beatles, na versatilidade. Essa mistura encanta e chama a atenção. Quem vem atraído por um pilar, volta para conhecer o outro, e, assim, nossas apresentações têm ingressos sempre esgotados. Em praças públicas, sempre atraímos a presença de uma multidão. Em nossos últimos concertos, temos encontrado caravanas que vêm de cidades próximas para ver a Orquestra Ouro Preto. Não é uma formula mágica, mas no nosso caso tem funcionado bastante.Lucas Prates

Nesse sentido, a OOP já dividiu palco com gigantes da música brasileira como Alceu Valença, Edu Lobo e Ivan Lins, além de já ter tocado e gravado músicas dos Beatles e de Fernando Brant. Como foram essas experiências? 
O aprendizado em dividir palco com Alceu, Edu, Ivan é gigantesco. Eles possuem uma bagagem enorme e diferente daquela que “músicos de orquestra” possuem. Sempre saímos melhores músicos, melhores conosco mesmo. Muito da música não se ensina em escolas ou faculdades e a busca para ser a cada dia um músico mais completo passa por experiências como estas. Além do mais, estamos falando de figuras de primeiro escalão na música brasileira, músicos inventivos e atemporais. De cada um levo não só a amizade, mas me faço grato por terem me tornado uma pessoa e um músico melhor.

A OOP também propõe a mistura com outras linguagens artísticas, como o cinema e a literatura. Como essa interlocução contribui com o projeto?
Estas propostas são o coração da Orquestra Ouro Preto. Ser multidisciplinar, estender o apelo aos ouvidos para o apelo aos olhos. A instituição “orquestra” sempre esteve alinhada ao que havia de novo na música, era vanguarda. Do meio do século XX para cá, passou a ter outro papel, a de guardiã de um passado musical. Este papel é fundamental, mas não podemos esquecer de olhar para frente. Nossa proposta, por mais ousada que pareça ser, é de modernizar este conceito e ressignificar o sentido de orquestra: uma guardiã atenta de um passado musical que moldou nossa civilização, mas antenada para o presente e apontando o futuro.

Outro diferencial da OOP é a gravação de discos e DVDs. Qual a importância desses registros?
Olha, fico muito orgulhoso de falar que temos dez CDs e 9 DVDs gravados, sendo que os dois últimos, serão lançados em 2019 e já estão em fase de mixagem. A importância é o legado que estamos deixando. Cada um deles é um filho único, próprio, carregando o empenho de todos, músicos e escritório. Não foi fácil chegar a números assim, bastante expressivos para qualquer orquestra. O grupo sai fortalecido após seções que parecem intermináveis, cansativas e que chegam a beirar o arrependimento (risos). Mas depois da tempestade, vem a bonança, e as pessoas que podem levar para casa um pouco de todos nós. Atualmente, em conversas com Rodolfo, que além de spalla da orquestra é a pessoa que divide comigo os caminhos artísticos, sempre nos perguntamos: “o que gravaremos ano que vem?”. Daí começamos a rir e falamos: “vai começar tudo de novo”.

Qual a potência de celebrar a obra de compositores sinfônicos brasileiros, outro ponto que norteia o trabalho da OOP?
Celebrar nossos compositores é mais que um trabalho, é uma obrigação de qualquer orquestra. Não podemos virar as costas ao que somos e onde estamos, em um país musical como tantos outros e que possui um vasto rol de criadores e, também, arranjadores. Poucas orquestras trabalharam mais com compositores e arranjadores como a Ouro Preto, isso posso falar sem problema algum, haja visto o número de projetos que temos.Lucas Prates

Como a OOP contribui com atividades formativas, tanto para músicos quanto para público?
No campo dos músicos, temos duas importantes iniciativas: o Núcleo de Apoio a Bandas e Orquestras, em seu terceiro ano de atividades, onde podemos contribuir para a formação de um grande número de corporações dentro e fora de Minas Gerais. Este ano, criamos o Prêmio Orquestra Ouro Preto e levamos três músicos de nossa região para uma vivência artística em São Paulo. Alguns deles nunca tinham andado de avião, por exemplo. Foi uma semana de aulas, ensaios e residência artística na Faculdade de Música/FMU e na Escola Municipal de Música. E, para 2019, as atividades do Núcleo e o Prêmio já estão assegurados. Estamos também em fase de esboço da Academia Orquestra Ouro Preto, voltada a jovens músicos. Posso falar com 90% de certeza que iremos iniciar em 2019 as atividades, faltando para dar certo apenas os 10% restantes (risos). Quanto ao público, acho que tem crescido bastante em localidades que têm uma atividade musical intensa, que é, felizmente, o caso de Belo Horizonte. Ir a um concerto em tempos como este é um ato revolucionário. É cada dia mais difícil tirar as pessoas de casa, mas estamos vencendo esta batalha e muito bem. Aí vem a importância de estarmos em uma comunidade em que a cultura é intensa. Só em termos de orquestras, temos em BH a Filarmônica, a Sinfônica, o Sesiminas, a Opus, além de várias iniciativas de outros grupos de câmara. Todos são de fundamental importância, merecem seu espaço e têm que ter apoio para que não pararem seus trabalhos. Uma orquestra a menos, um teatro a menos, uma galeria a menos será sempre pior. Numa cidade, estado, país onde a vida cultural é rica, diversificada, teremos uma plateia atenta, formada e que vai querer sempre algo a mais.

Conte um pouco sobre o Especial de Natal. É um concerto litúrgico? O que a OOP está preparando?
Nosso especial de Natal é mais que especial. Iremos levar ao público o jovem pianista mais proeminente e premiado do Brasil, com uma carreira sólida no exterior: Cristian Budu. Para isso, estamos preparando um concerto único, com dois compositores essenciais para o piano, que são Schumann e Chopin. Faremos o Concerto para Piano Nº1 de Chopin, uma obra-prima belíssima, que tem emocionado gerações. Antes, Budu abre o programa com a kreisleriana. O piano será nossa atração principal, em todo seu potencial. Imperdível este encontro com Budu e também o nosso último concerto do ano, no dia 21 de dezembro. Atendendo a pedidos do público, faremos duas récitas do espetáculo “O Pequeno Príncipe”, no Sesc Palladium. Será a última oportunidade de ver a Orquestra em 2018.

E quais os planos para 2019? O que vem por aí? 
Teremos um 2019 desafiador, com novas ações no campo musical e de formação. O projeto tem crescido, fruto da confiança de nossos mantenedores e de nosso público sempre crescente. A cada ano, as pessoas têm a consciência de que o nome Orquestra Ouro Preto representa algo inovador, diferente e esperam sempre novidades. Não é fácil ter que superar expectativas, mas este desafio tem sido a lenha para que nosso projeto de vida siga forte e cada vez mais sólido. Teremos nossa turnê nacional e estadual, além da presença mensal no Sesc Palladium, sem abrir mão da ação formativa de nosso Núcleo de Apoio as Bandas e da sonhada Academia. 

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