Jornalista mineiro desbrava o passado de Guinard na Europa

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
21/06/2021 às 11:07.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:13
 (Rodrigo Valente/Divulgação)

(Rodrigo Valente/Divulgação)

“Guignard me levou a lugares que jamais conheceria s e não fosse por ele”, observa o jornalista e escritor Marcelo Bortoloti, que acaba de lançar o livro “Guignard: Anjo Mutilado”, pela editora Companhia das Letras. Mineiro de Muzambinho, ele mergulhou na vida e obra do artista fluminense, radicado em Minas Gerais, visitando países da Europa para conhecer a formação de um dos mais renomados pintores do modernismo.

Jornalista de formação, Bortoloti migrou para a literatura, concebendo importantes publicações sobre nomes da cultura nacional. Também neste ano, ele lançou, ao lado de Chris Fuscaldo, “Viver é Sonhar – Os Últimos Caminhos de Belchior”, sobre o músico cearense. “É tão pouco espaço para a cultura, seja na imprensa, seja nas instituições públicas, que se torna relevante resgatar esse patrimônio que existe no Brasil”, assinala.Rodrigo Valente/Divulgação

Jornalista de formação, Bortoloti migrou para a literatura, concebendo importantes publicações sobre nomes da cultura nacional

Agora ele se detém na biografia de outro grande pintor do país: Di Cavalcanti. O livro será lançado no próximo ano, quando será lembrado o centenário da Semana de Arte Moderna. A escrita vem sendo costurada numa casa na zona rural de Rio Acima, Região Metropolitana de BH, refúgio de Bortoloti durante a pandemia. “Estou há mais de um ano saboreando a paisagem mineira, um universo que Guignard tão bem pintou”.

O escritor participa nesta terça-feira (21), às 19h, de uma live realizada dentro da programação da Semana Guignard. Mediada por Wanalyse Emery, coordenadora do Museu Casa Guignard, a conversa acontecerá no Instagram da instituição

O título do livro deixa claro a busca por um lado pouco explorado da vida de Guignard, sobre os problemas físicos e psicológicos gerados pelo lábio leporino e pelo alcoolismo. Como isso afetou a obra dele?

O problema do lábio leporino afetou muito a personalidade de Guignard, porque é uma má formação que interfere na fala da pessoa e também na aparência, por ser uma marca no rosto. Isso fez dele um adulto inseguro e com pouca autoconfiança. De alguma maneira, parece que ele tentou, na sua arte, produzir um tipo de beleza que não o acompanhava como indivíduo. A arte dele é muito colorida, alegre e plástica. Características que podem ser uma resposta, colocando na pintura o melhor de si, um lado estético que não poderia apresentar. Ao mesmo tempo, ele tem algumas pinturas muito trágicas, expressionistas, como os Cristos ensanguentados. Em alguns desses quadros, Guignard coloca a marca do lábio leporino, como algo ligado ao sofrimento. Não sei dizer se o alcoolismo teve uma influência direta, mas se você for encarar algumas pinturas mais dramáticas, elas podem ter relação com isso, já que ele também sofria com esse problema.

Apesar da timidez e isolamento de Guignard, ele tinha uma rede de amigos muito grande, com pessoas da classe mais alta hospedando-o em suas casas. Como era isso?

O Guignard era uma figura muito carismática. Ele teve uma educação de elite, formando-se na Europa e fazendo parte dos meios aristocráticos. Era um homem de boas maneiras, tratando a todos com muita cordialidade. Ao mesmo tempo, era aquela figura ingênua. Parecia que não tinha muita malícia, disposta a sempre dar presentes, pintar os outros e dar seus quadros. Ele também parecia que precisava de algum tipo de proteção. São características que o tornaram muito querido. De fato, Guignard encontrou pessoas que o abrigaram e substituíram a família dele.

Nascido em Muzambinho, Bortoloti é jornalista formado pela PUC-Minas, mestre em Artes pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) A relação do artista com Ouro Preto também é abordada no livro?

Sim, porque foi uma relação muito próxima. A cidade interferiu diretamente na obra dele. Guignard soube retratar Ouro Preto de uma forma muito particular. Os próprios mineiros passaram a olhar para essa paisagem de uma maneira diferente. Ele gostava da cidade, não só como um lugar para se ir, mas também pela inspiração que lhe dava para pintar. Guignard acabou morrendo lá, foi uma escolha dele.

Assim como na biografia de Belchior, você refez o percurso de Guignard, tanto em Ouro Preto como nas cidades europeias por onde o artista passou.

Ele passou um terço da vida na Europa, indo para lá muito jovem, com cinco, seis anos de idade. Voltou ao Brasil já adulto, formado e pintor. Se não me engano, foram 12 cidades por onde passou, na França, na Itália, na Alemanha e na Suíça. Eu fui em cada um desses lugares, procurando os endereços e também documentação relativas a ele, que ajudassem a contar a história de Guignard. Encontrei algumas coisas interessantes, tendo contato com uma parte da vida dele que era pouco conhecida. Geralmente o que se sabia sobre Guignard na Europa era a partir dos depoimentos do próprio.Acervo Americano Freire / Divulgação

 O que você destaca entre o material encontrado na Europa?

Ainda hoje há uma família em Florença, na Itália, herdeira de uma dona de pensão onde Guignard morou e por quem ele se apaixonou. Ela ainda guarda um acervo precioso Mesmo sem saber muito bem quem era o pintor, sobre a importância dele nas artes brasileiras, a família guarda cartas, desenhos e quadros. Eles tinham um carinho muito grande por Guignard. Nessa trajetória europeia também é possível compreender a influência do padrasto, o barão Von Schilgen, figura que sempre foi meio misterio</CW><CW-35>sa. Em relação às obras, tem cerca de 50 ficaram na Europa, feitas quando era jovem, durante a formação. Mais recentemente começaram a aparecer algumas. Há um marchand na França que descobriu um quadro que Guignard fez em 1928, vendido no ano passado para um colecionador brasileiro. No mês passado, esse mesmo marchand encontrou outros quadros. Acredito que vão aparecer mais. Elas são importantes e ajudam a entender a maneira como foi se aprimorando artisticamente.

Guignard chegou a Belo Horizonte em 1944, trazido pelo então prefeito Juscelino Kubitschek para dirigir a Escola de Belas Artes. Permaneceu à frente da escola até 1962, quando, em sua homenagem, ela ganhou o nome do pintor

A sua biografia e a de João Perdigão, “Balões, vida e tempo de Guignard: Novos caminhos para as artes em Minas e no Brasil”, lançada há pouco tempo, são praticamente as primeiras publicações sobre a vida e a obra de Guignard. Por que se demorou tanto para se lançar luz sobre esse personagem, apesar de sua reconhecida importância?

Nunca se teve muito interesse de se fazer uma coisa mais documentada. Embora seja um artista muito valorizado no mercado de arte, ele é pouco conhecido do grande público. A pintura é um campo pouco aberto ao público de uma maneira geral. E as obras de Guignard estão fechadas em coleções privadas. Não há um museu que tenha uma coleção expressiva. Isso o faz afastar mais do público. O interesse sobre ele hoje é, muitas vezes, restrito a colecionadores e pesquisadores. Agora se começa a ter mais visibilidade, expondo-se mais a vida dele. Guignard é uma figura que tem uma vida super interessante, que tem uma obra muito importante, fácil de se gostar porque tem uma linguagem acessível. Ao mesmo tempo, possui uma história de vida dramática, bonita e cheia de nuances. Ela tem um potencial para se popularizar no Brasil.

Você se debruçou anteriormente sobre as trajetórias de Carlos Drummond de Andrade e de Belchior. A cultura brasileira é a sua área de interesse?

Sem dúvida. Sou mineiro de Muzambinho e tenho interesse pelos artistas daqui. Guignard não era mineiro, mas escolheu Minas como seu lugar. Drummond nunca saiu de Minas, embora tenha morado no Rio de Janeiro. O Belchior era cearense, mas também é um grande nome da cultura brasileira que merece ter a sua história preservada, assim como Drummond e Guignard. É tão pouco espaço para a cultura, seja na imprensa, seja nas instituições públicas, que se torna relevante resgatar esse patrimônio que existe no Brasil. Existe ainda uma série de nomes que ainda foi retratada e estudada com a devida atenção. Mas é sempre difícil fazer um estudo demorado, sobre esse tema, porque existe patrocínio e dedicação. O que dá para fazer é começar por esses grandes nomes, que têm mais visibilidade.

Em dezembro passado, uma pintura de Tarsila do Amaral (“A Caipirinha”) atingiu o maior valor de venda em leilão para uma obra brasileira. O recorde anterior pertencia a “Vaso de Flores”, de 1930, assinado por Guignard

Qual será o próximo personagem a ser retratado em livro?

Estou pesquisando agora o pintor Di Cavalcanti, carioca e modernista ligado à Semana de 1922, cujo centenário acontecerá no ano que vem. Ele também viveu momentos muito importantes na cultura do país. 


 

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