‘Queremos ter a legislação cultural mais moderna do país’, diz o novo subsecretário Fábio Caldeira

Thiago Prata
@ThiagoPrata7
03/05/2020 às 12:31.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:25
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

No último dia 28, o governador Romeu Zema nomeou Fábio Caldeira de Castro Silva subsecretário de Cultura da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult). Formado em Direito pela UFMG, mestre em Ciências Políticas pela Universidade Francisco de Vitória, de Madri, e doutor em Direito Público pela UFMG, Fábio Caldeira já ocupou os cargos de Ouvidor Geral do Governo do Estado (2013 a 2016), Diretor de Planejamento da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (2009 a 2011) e Secretário Municipal de Administração Regional da Prefeitura de Belo Horizonte (2005 a 2008). Novo colunista do Hoje em Dia, função que assume no próximo sábado, ele conta nesta entrevista sobre os novos desafios.

O senhor assumiu no último dia 28 o cargo de subsecretário de Cultura da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult). Primeiramente, queria que nos falasse como veio esse convite.
Sou uma pessoa que sempre gostou muito de atuar na administração pública, onde consigo me sentir útil em termos de produção, articulação de política pública, com resultado coletivo. Sempre gostei dessa atuação. Isso vem desde meus períodos de faculdade, desde a graduação. Desde lá tenho admiração pelo senador (Antonio) Anastasia, meu grande inspirador na administração pública. Recebi o convite do secretário Bernardo (Silviano Brandão Vianna, Secretário de Estado Adjunto de Cultura e Turismo), que está respondendo pela secretaria. Ele me disse sobre a expectativa de ter uma pessoa que compreendesse a questão cultural para desenvolvimento econômico. Senti que era o momento para retornar à administração pública. Não só para me dedicar a ela, como também por este momento que estamos vivendo; eu não poderia me furtar desta missão.

“Não há como pensar em turismo e cultura sem viés do desenvolvimento econômico e social. É preciso pensar em economia criativa”

Obviamente o desafio já seria grande pelo fato de ser um setor tão complexo e vasto e que por vezes exige uma atenção especial, que é a cultura. Mas, além disso, você assume em um momento de pandemia, em que muitos artistas vêm sendo atingidos, desde os mais reconhecidos pela grande mídia até os mais novos e independentes. O quanto isso aumentará seu trabalho e os desafios?
É a maior crise que já vivemos nas últimas décadas, por ser mundial, de proporções inimagináveis. Ela atinge todas as relações humanas, profissionais, financeiras.... Dentro desse contexto, teremos o período pós-Covid. E aí tenho que citar algumas questões. Nós temos (no país) práticas e processos da questão pública do século XIX (de lentidão, burocracia, respostas não adequadas ao cidadão), convivendo com grande parte da legislação do século XX (com processos muito lentos) e com anseios e expectativas de uma população do século XXI. Não há mais espaço para processos burocráticos e lentidão nas políticas públicas. Não há como tolerarmos a legislação arcaica. É preciso que nós, gestores públicos, mudemos isso, modernizemos todo o corpo normativo, de todas as áreas. Dentro dessa situação, nossa missão é ‘resetar’ Minas Gerais, diante de tudo que já passamos, incluindo aí a tragédia de Mariana e a de Brumadinho, os estragos provocados pelas chuvas que tivemos recentemente e o coronavírus, que atingiu o mundo todo, incluindo nosso Estado. No caso específico com a cultura e sua relação direta com o turismo, haverá uma disputa entre os Estados brasileiros após a Covid-19. Cada Estado vai precisar atrair turismo. Temos que reduzir a burocracia, fazer as pessoas virem visitar nosso Estado, que é um terreno fértil de manifestações culturais, patrimônio histórico... Ou atuamos nesse sentido ou ficaremos para trás. A cultura é um setor muito, mas muito atingido (pela pandemia), todos os espaços estão fechados, as manifestações estão limitadas, o prejuízo é muito grande. E isso está também relacionado a toda uma cadeia de turismo, é algo muito amplo, com prejuízo enorme.

Apesar do pouquíssimo tempo, o que já deu para observar e analisar, quais os principais objetivos traçados em um primeiro momento?
O secretário em exercício, Bernardo, tem atuado de forma marcante e firme em um edital emergencial para setores culturais, um empenho direto e pessoal nisso. Em breve teremos esse edital. Outro ponto que vem sendo fundamental, que o secretário Bernardo pediu a mim e à subsecretaria de turismo (Marina Pacheco Simião), é fazer um levantamento envolvendo manifestações culturais e concluindo isso rapidamente para ele conduzir diretamente essa questão com as secretarias de Desenvolvimento Econômico (Sede) e de Saúde (SES-MG). Isso a curtíssimo prazo. Tem outra questão para a gente refletir e que tem dois eixos fundamentais da nossa secretaria. O primeiro é que é um momento atípico, novo, em que não há mais espaço para gestão pública lenta, burocrática, ineficiente. Temos que pensar nessa sinergia entre turismo e cultura. Há uma necessidade de essas duas atividades terem planejamento em conjunto; estão umbilicalmente ligadas. Já iniciamos um debate interno para nos entrosar mais. Também será fundamental atuarmos mais próximos e alinhados com as entidades vinculadas à Secretaria, como a fundação Clóvis Salgado, o Iepha, a Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), a Rede Minas e a Rádio Inconfidência. Além disso, temos conselhos que são representados pela sociedade civil, que são os Conselhos de Cultura e de Turismo. Ainda não há uma interlocução com os dois conselhos para formatar políticas públicas. Primeiramente precisamos ajustar a questão das secretarias para depois, lá fora, atuar em sintonia com os conselhos. E por aí vai. O segundo eixo de maior importância é com relação a uma meta de colocar nossa legislação cultural como a mais moderna do país. Por isso será importante a atuação da sociedade civil, do meio acadêmico e da Assembleia. Temos que pensar em economia criativa. Aliás, a economia criativa é formada por quatro áreas: a cultural, a de criações funcionais (arquitetura, moda, publicidade, design...), a de tecnologia e inovação (conhecimento, softwares...) e mídia (audiovisual, edição...). Isso é economia criativa. Não adianta pensar apenas na questão da cultura, precisamos sair da nossa bolha e pensar fora da caixa. Precisamos atuar em todos os setores da economia criativa. Vou te passar um dado, de uma publicação do Observatório P7 Criativo. São 5 milhões (de empregados) no Brasil envolvidos na chamada economia criativa. Cerca de 500 mil empregos estão em Minas Gerais; desses, 54% atuam na cultura, 30,3% em criações funcionais, 9,7% na tecnologia e informação e 6% na mídia. São dados de 2016, em um relatório publicado em 2018. O reflexo desse período (de pandemia) para a economia do Estado é muito grave. Temos um desafio muito grande, e é preciso que se façam ações de curtíssimo prazo e neste semestre agora. E preparar e modernizar todas as nossas leis.

“Nossa missão é ‘resetar’ Minas, diante de tudo que já passamos, incluindo aí a tragédia de Mariana e a de Brumadinho, os estragos das chuvas e o coronavírus”

Antes mesmo de aceitar esse cargo, de que forma o senhor vinha analisando o setor cultural no Governo Zema?
Vejo que o governador Zema tem uma concepção muito positiva de eficiência do Estado. Houve um aprimoramento dos processos. Minas Gerais ganhou muito com esse olhar que ele tem sobre questão pública. Não temos mais espaço para Estado inchado. O governador Zema e o vice Paulo Brant têm uma visão muito positiva. Não há como pensar em turismo e cultura sem o viés do desenvolvimento econômico e social. No pós-Covid, retomaremos rapidamente os atrativos para o turismo e que as pessoas conheçam nossos museus, nossas pousadas, cachoeiras, nossa gastronomia... Infelizmente, tivemos essa pandemia no 300° ano de Minas Gerais, que fez com que cancelássemos eventos. Esperamos realizar uma grande programação no ano 300 + 1, em 2021.

O senhor ficou à frente do Instituto Cultural Sergio Magnani em 2010 e 2011, instituto responsável pela gestão de programas importantes da Fundação Clóvis Salgado e do Centro de Formação e Experimentação Digital PlugMinas. De certa forma, o que aquela experiência te acrescentou e que você resgata agora?
Vou te dizer o mais importante de tudo. Pude cada vez mais perceber que política pública se faz com transparência. Transparência entre poder público e sociedade civil. Ali pude observar claramente que a sociedade civil é fundamental para a política pública. Essa percepção foi fundamental. É preciso ouvir a população sobre vários aspectos. Queremos que a sociedade civil seja destinatária da política pública e também formuladora dela.

“O secretário em exercício, Bernardo (Vianna), tem atuado em um edital emergencial para setores culturais”

Um estudo feito por professores e pesquisadores da UFMG, divulgado no último dia 24, fez uma previsão de que a economia da cultura no país teria queda de R$ 11,1 bilhões em três meses de pandemia. De que forma você recebe essa pesquisa, ainda mais em um Estado tão rico em termos de arte?
A crise tem consequências inimagináveis. Temos perspectivas e estimativas, mas não sabemos a fundo ainda as consequências. A cadeia da economia criativa, não só da cultura, é muito ampla. E realmente haverá consequências gravíssimas. Estamos totalmente focados e obstinados e não podemos deixar para planejar as coisas no fim do ano; o planejamento já está sendo iniciado.

O senhor vai assumir uma coluna no Hoje em Dia, a estrear nesta semana. O que podemos esperar dela e quais assuntos serão tratados?
Esta coluna terá como foco estabelecer essa demonstração da economia criativa com desenvolvimento econômico-social e trazer debates e experiências. Será uma oportunidade de mostrar isso à sociedade e ouvi-la. O retorno com sugestões será de suma importância para a economia criativa e a reconstrução social e econômica do Estado de Minas Gerais.

“Haverá uma disputa entre os estados brasileiros após a Covid-19. Cada Estado vai precisar atrair turismo. Temos que fazer as pessoas virem visitar Minas”
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