‘Teremos gerações sem câncer de colo de útero’, diz presidente da Associação de Ginecologia

Luisana Gontijo
lgontijo@hojeemdia.com.br
11/01/2021 às 12:07.
Atualizado em 02/02/2022 às 18:37
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Para que a intenção da Organização Mundial de Saúde (OMS) de erradicar o câncer de colo de útero seja eficaz, o presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Agnaldo Lopes, defende medidas como a maior procura da vacina contra o HPV (papiloma vírus humano) por meninas (de 9 a 14 anos) e meninos (de 11 a 14), oferecida gratuitamente pelo SUS.

O rastreamento desse e de outros cânceres, aponta o médico, é mais uma ação que precisa ganhar eficácia, para ajudar no diagnóstico precoce e na cura de inúmeras mulheres. 

E elas não serão as únicas beneficiadas, reforça Lopes, tendo em vista que o HPV, por exemplo, é responsável por diferentes tipos de câncer, além do de colo de útero, como o do canal retal, de vagina, pênis e cabeça e pescoço. 

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, Agnaldo Lopes ressalta a importância dos cuidados ginecológicos para a manutenção da saúde e da qualidade de vida e alerta as mulheres que não deixem de se cuidar nesta pandemia.

Como está a busca de atendimento ginecológico pelas mulheres neste momento da pandemia?
Quando começou a pandemia, em março de 2020, muita gente adiou a ida ao ginecologista por alguns meses. Agora, as pessoas estão voltando a procurar consultas e exames, mas não é 100% ainda. E é bom que saibam que a gente mantém os cuidados no atendimento, como o espaçamento entre os horários das consultas, controle da sala de espera, com só uma pessoa por vez, oferta de álcool em gel.

E quais são os reflexos dessa diminuição?
A gente está vendo reflexos na falta de vacinação, por exemplo, tanto das crianças quanto das gestantes. Várias vacinas precisam ser tomadas pelas gestantes, como antite-tânica, coqueluche, dupla adulto (antibacteriana). São serviços essenciais. Assim como planejamento familiar e contra-cepção. A Organização Mundial de Saúde chegou a estimar que teríamos cerca de 9 milhões de gravidezes não planejadas no mundo por falta de acesso a métodos contraceptivos, como colocação de DIU (dispositivo intrauterino) e a própria ligadura. E esse número pode estar defasado. 

E como está a incidência dos cânceres ginecológicos?
Esse é um outro problema. No caso dos cânceres ginecológicos, a gente tem a questão do rastreamento e, nestes tempos de pandemia, isso virou um problema, porque as pacientes deixaram de fazer as consultas de rotina. Ou, eventualmente, mesmo com sintomas, não procuram assistência à saúde. Por exemplo, ter um sangramento pós-menopausa e adiar ir ao médico para averiguar esse quadro. Muitas mulheres não fizeram o exame Papanicolau (preventivo de câncer de colo do útero), não se vacinaram contra o HPV.

Há dados sobre as consequências da pandemia nesses cânceres?
Não tem nada. O que a gente tem são cirurgias represadas. A gente sabe que muitos procedimentos oncológicos deixaram de ser feitos neste período. O câncer não deixou de existir, né?

Que tipo de cirurgia vem sendo adiada?
Todas. Por exemplo, o que a Fátima Bernardes teve foi um câncer de endométrio. O útero tem duas partes mais importantes, o endométrio e o colo, para a qual o Papanicolau dá o diagnóstico precoce do câncer. Neste mês, se tem uma chamada da Organização Mundial de Saúde em relação ao câncer de colo do útero, um grande problema de saúde pública no mundo todo, associado ao papiloma vírus humano, o HPV. São registrados 16 mil novos casos por ano no Brasil, com quase 7 mil mortes. Isso reflete uma falta de rastreamento, falta de uma medida de prevenção efetiva. E tem uma questão social no Brasil também. Nas regiões com nível socioeconômico mais baixo, como a Norte, o índice de câncer de colo de útero é muito elevado. E a chamada da OMS inclui um projeto de erradicação do câncer de colo de útero no mundo.Lucas Prates

Presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Agnaldo Lopes

Como isso será possível?
Essa questão tem três pilares. O primeiro é fazer um rastreamento eficaz. O que a gente tem para rastreamento no Brasil é o exame Papanicolau. A gente está até em uma campanha junto com o Ministério da Saúde para definir o melhor modelo para o país, porque existem outros exames para isso.

Quem deve passar por esse rastreamento?
A gente gostaria que pelo menos 90% das mulheres aos 35 anos e aos 45 anos fossem rastreadas. A nossa taxa de cobertura populacional de rastreamento no Brasil é muito baixa, está em torno de 25%. Nosso padrão de rastreamento no Brasil é que, mulheres de 25 a 64 anos, depois de dois preventivos anuais negativos, possam fazer o exame de três em três anos. O desafio é chegar às mulheres que nunca fazem.

E por que tantas mulheres não fazem a prevenção no país?
Acho que falta de informação é um aspecto importante, mas falta até cuidado com a saúde. A mulher precisa cuidar mais dela. Acho que a sociedade tem uma obrigação muito grande com isso, porque o câncer de colo de útero é passível de prevenção. Essa campanha da Organização Mundial de Saúde para erradicar a doença é algo bem possível. Não é aceitável que uma mulher morra de câncer de colo. A gente tem medidas para evitar isso. A primeira delas, então, é o rastreamento, fazer o Papanicolau, um exame de qualidade. 

E as outras medidas para combater o câncer de colo de útero?
A segunda medida, muito importante, é que as meninas e os meninos se vacinem contra o HPV. Quando começou o Programa Nacional de Imunização contra o HPV, a taxa de cobertura vacinal chegou a cerca de 90%. Agora, está em 40%. Caiu demais. Nesse caso, as meninas e meninos, adolescentes, precisam tomar duas doses. A procura pela segunda dose da vacina cai mais ainda. E o terceiro pilar é as mulheres serem tratadas, é que 90% das doenças sejam tratadas nas fases pré-cancerosa e cancerosa precoce. A gente tem muito o que caminhar nisso.

O senhor pode falar mais sobre a campanha da OMS para erradicar o câncer de colo de útero?
Com a vacina contra o HPV e com o rastreamento mais eficaz da doença, os casos vão diminuir muito. Provavelmente, a gente vai ter futuras gerações sem câncer de colo do útero. Vai ser daquelas doenças que algumas pessoas vão perguntar se existiam mesmo. A vacina é muito eficaz. E a gente associá-la com o rastreamento é mais ainda. A gente está falando do HPV como causador do câncer de colo de útero, mas é importante ressaltar que ele é responsável também pelo câncer de canal anal, de vagina, de pênis e de cabeça e pescoço. O HPV é considerado o segundo agente causador de câncer mais importante, só perde para o tabaco.

Voltando ao caso da apresentadora Fátima Bernardes, não foi no colo do útero?
Não, o caso da Fátima Bernardes foi no endométrio, que é um pedação do útero, na parte de cima. A Fátima Bernardes não preenche os fatores de risco para o câncer de endométrio. Tem dois tipos de câncer do endométrio. Um que atinge mulheres obesas, hipertensas e diabéticas, que não é o perfil dela. E outro que tem uns tumores diferenciados. 

E há algum tipo de alteração que possa servir de alerta para a busca de atendimento médico?
É importante, sim, que as mulheres fiquem muito atentas e procurem assistência médica diante de mudanças no padrão menstrual e a sangramento no pós-menopausa. Pode ocorrer de não ter havido um rastreamento eficaz, de ter alguma coisa associada à genética, mas a gente consegue diagnóstico precoce em mais de 90% dos casos.

A prevenção dos cânceres ginecológicos se faz com a ida ao médico?
Eu acho que sim. Na verdade, o que a mulher pode ter ainda de câncer ginecológico, além do de colo do útero e do de endométrio. Por exemplo, câncer de mama é um problemão, uma a cada oito mulheres vai ter a doença. O câncer de ovário é mais incomum, mas tem uma letalidade alta. De uma forma geral, são diagnósticos em pacientes com estádio avançado e um mal prognóstico. Outros tumores nas mulheres que a gente tem que ficar de olho sãos os de intestino, os colorretais. A mulher tem que ficar muito atenta com emagrecimento, com uma dor que ela não sabe exatamente o que é, um sangramento pós-menopausa. Diante de qualquer sinal desses, deve procurar assistência médica.

Que exames devem ser rotineiros para a mulher?
Aquela mulher que está bem, que não tem nenhum sinal, deve fazer como rotina o Papanicolau, a mamografia e a colonoscopia. Esse é o padrão. Diferente, por exemplo, daquela mulher que notou um sangramento. Nesse caso, a gente faz, por exemplo, um ultrassom. E, uma questão importante em relação aos tumores é a história familiar. Hoje a gente valoriza muito isso, os tumores hereditários, que podem estar associados à mama, ao ovário e ao endométrio. 

Uma vida mais saudável ajuda a evitar cânceres?
Estilo de vida faz toda, toda a diferença. Eu falei muito da questão genética, mas isso é referente a 30% dos problemas. Então, há problemas que posso mudar. Como? Evitar cigarro, obesidade e sedentarismo, manter atividade física regular e uma dieta equilibrada, com pouco carboidrato e pouca gordura.

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