Destaque da cena mineira, Thiago Delegado solta a voz em novo disco

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
29/11/2021 às 14:48.
Atualizado em 02/02/2022 às 18:08
 (MAYKA BRETAS/DIVULGAÇÃO)

(MAYKA BRETAS/DIVULGAÇÃO)

Aos 23 anos, Thiago Delegado resolveu abandonar os livros de potência eletrônica e o mestrado para mergulhar no universo da música. Logo se tornaria um dos maiores compositores da cena mineira, nome ligado principalmente ao samba, gênero que ajudou a popularizar.

Em 2021, Delegado mais uma vez se encheu de coragem e encarou o desafio de lançar um álbum em que, além do talento para o violão sete cordas, também solta a voz. O músico já tinha cantado em outros projetos e discos, mas não de peito aberto como em “Detalhes Guardados”.

O álbum será lançado amanhã, às 20h, no Centro Cultural Sesiminas, com participações da “madrinha” Fernanda Takai, Zé Renato e Nath Rodrigues. A “madrinha”, como frisa Delegado, foi a grande responsável por dizer “vai menino, canta”, no projeto dedicado a Tom Jobim.

O disco fala de amor, saudade e também de política, uma questão que esse mineiro de Caratinga não abre mão. “Não queria que, num trabalho feito em 2021, ficasse sem refletir explicitamente o momento em que a gente vive, como sobrevivente desse Brasil”, afirma.

Thiago Delegado é um resiliente. Defensor do samba mineiro e da música instrumental, está entre aqueles que ajudaram a fomentar o Carnaval de Belo Horizonte, como, entre outros feitos, criador do bloco Bebadosamba, em homenagem a Paulinho da Viola.

Apesar desse carinho pela festa momesca, ele vê com cautela a volta às ruas em 2022. “Ao mesmo tempo que não é o momento de incentivar uma super aglomeração, acho que algumas alternativas de manutenção das pessoas que promovem precisam ser feitas”, analisa.

As lives da DelegasCia feitas durante a pandemia, em que você teve que soltar a voz, foram determinantes para lhe dar confiança e fazer um álbum em que canta em todas as faixas?

Foi mais uma consequência. Na verdade, o (disco) “Sambetes” tem uma das oito faixas que eu canto. Não é, então, uma grande novidade. Cantei também no show da Fernanda Takai em homenagem a Tom Jobim. De fato, foi uma convergência de fatores para me gerar essa vontade. Primeiramente porque eu estava com um baú cheio de composições. Tem uns quatro, cinco anos que venho me encontrando com uma nova geração de compositores da música mineira, como o Vini (Ribeiro) e a Clara Delgado. Era como um exercício de encontro. Aí fiquei com um monte de canções que não tinha cantor suficiente para gravá-las. Com a pandemia, em que fiquei em casa e parei de tocar de forma presencial com a (banda) DelegasCia, partimos para essas lives, em que naturalmente comecei a cantar, porque, por mais que meu repertório de violão seja generoso, fica tudo muito maçante, enjoativo. Fazia noites temáticas, em que teve dia que cantava só Chico Buarque, só Gilberto Gil, só Edu Lobo ou só Aldir Blanc. Cantar, então, deixou de ser uma coisa extraordinária na minha vida, passando a exercer todos os dias. Como estava três anos sem lançar disco novo e tinha esse material, além de querer lançar um álbum de canção com a DelegasCia, resolvi fazer esse registro com a minha voz.

Numa das faixas, “Antes do Café”, você fala de política. Como surgiu a ideia dessa música?

Os temas foram surgindo naturalmente no disco. Mas não queria que, num trabalho feito em 2021, ficasse sem refletir explicitamente o momento em que a gente vive, como sobrevivente desse Brasil. Em todos os meus discos, eu tenho uma parceria com o Aloizio Horta, baixista que toca comigo e amigo querido. E em “Detalhes Guardados”, não tinha ainda. Cobrei do Aloizio e ele fez, junto comigo, uma música. Ficou a dúvida de quem colocaria a letra e lembrei do Vitor Velloso, que sempre teve uma postura política, conhecido pelas premiadas marchinhas de Carnaval, como “O Baile do Pó Royal” e “Solta o Cano”. Ele fez a letra e resultou numa das músicas que mais gosto no disco, tanto que eu a pré-lancei como single.

Entre as participações especiais, o disco conta com Fernanda Takai. É verdade que foi Roberto Menescal quem lhe apresentou à vocalista do Pato Fu?

É mais ou menos por aí. É o seguinte: eu já toco com o Menescal desde 2012. Primeiro show que fiz com ele foi lá no Minas Tênis. Depois eu o convidei para gravar no meu terceiro disco, “Viamundo”. Depois fizemos uma apresentação na rua da Savassi, durante um festival. Ele acabou se tornando uma pessoa incrível na minha vida, um vovô querido. Vários anos depois, a Takai foi gravar o “Tom da Takai”, um álbum produzido pelo Menescal e pelo Marcos Valle, em homenagem ao Tom Jobim. O “Menesca” foi quem gravou no disco, mas na hora de rodar com os shows, eu não iria ficar viajando pelo Brasil para ser side man da Fernanda. Aí ele sugeriu o meu nome, substituindo-o não só para tocar como para cantar também. Antes, eu nunca havia cantado profissionalmente nos meus shows nem dos outros. Era só violonista. De certa forma, virei cantor por causa da Fernanda Takai. Ela é a minha madrinha na coisa do canto. Por isso, para o “Detalhes Guardados”, ela foi a primeira convidada especial que eu quis contar. 

O disco é voltado essencialmente para o samba, gênero que marca a sua trajetória, não é verdade?

Eu não diria essencialmente, mas ele tem o samba como linha condutora, que é de onde eu vim. A maioria dos discos que produzi aqui foram de samba. Eu gosto mesmo do gênero, não posso negar. Mas eu prefiro colocar o disco na estante da música brasileira, porque ele tem bolero, foxtrote e bossa nova – o Zé Renato canta uma bossa nova bem mineira comigo, meio Toninho Horta, meio Ivan Lins. Chico Buarque fazia samba, mas tinha de tudo nos discos dele. O mesmo com Djavan. Tenho muito orgulho de ser do samba e jamais vou negar esse lugar.

Essa relação com o samba é uma influência do seu pai, de quando moravam em Caratinga?

Meus pais sempre ouviram muito samba. Apesar de não serem músicos (não tenho músicos na família) e trabalharem com veterinária, viajávamos sempre escutando samba no toca-fita do carro. Meu pai sempre gostou muito de Paulinho da Viola e Chico Buarque, esse samba mais MPB da década de 70 e 80. Foi uma coisa que ficou na minha cabeça desde sempre. Quando me profissionalizei em Belo Horizonte, foi na roda de choro, que é um primo de primeiro grau do samba.

Você veio para BH para estudar engenharia eletrônica e de telecomunicações na PUC. Chegou a atuar na área?

Depois de formar, ainda fiz mestrado na UFMG, em eletrônica de potência. Fiz um ano e meio e abandonei, não defendendo a tese. Na graduação, cheguei a ter a sexta nota da turma. Foi por isso que consegui uma bolsa no mestrado, pela Capes, numa época em que a pesquisa científica era incentivada no país. Queria mais a pesquisa do que o mercado de trabalho, na época. Com 23 anos, comecei a trabalhar com música e resolvi investir o meu tempo nisso aí. E tem dado certo.

Você é muito ativo no Carnaval de Belo Horizonte, tendo criado o bloco “Bebadosamba”, em homenagem a Paulinho da Viola. Como está vendo esse momento de discussão sobre a realização da festa de 2022?

Eu vejo argumentos plausíveis dos dois lados. Vejo com muito cuidado essa questão da saúde pública. Levei muito a sério a pandemia, incentivando todo mundo a vacinar. Fiquei contando os dias para receber a vacina. Perdi amigos e outras pessoas próximas nesse meio tempo. Mas também entendo os argumentos da galera do samba e do Carnaval, que ficou muito abandonada durante esse processo de pandemia. Muito pouco incentivo foi dado. A princípio, eu não me posicionei. Acho que vai ter Carnaval em Belo Horizonte, mas patrocinar é outra coisa. Incentivar as pessoas a virem pular o Carnaval aqui é uma coisa meio dramática para o poder público. De toda forma, as autoridades têm que olhar com mais carinho para quem movimentou a economia da cidade de forma tão decisiva. Ao mesmo tempo que não é o momento de incentivar a uma super aglomeração, acho que algumas alternativas de manutenção das pessoas que promovem precisam ser feitas. O assunto deve ser tratado com um diálogo do mais alto nível.

Além da agenda de lançamento do disco, você pretende dar continuidade a seus outros projetos?

A delegasCia volta no ano que vem, talvez no final de janeiro, início de fevereiro. Não será nesse ano porque estou imerso nesse disco e também porque a casa (de Cultura, no Santa Efigênia) onde a gente se apresenta tem que se adequar a esse momento pós-pandêmico, Ela é muito fechada, muito “inferninho”, e por isso estamos com um mais de prudência nesse sentido. Falei do Carnaval e não custa nada ter prudência para voltar com a DelegasCia, que é o meu projeto de vida. Tenho o maior orgulho d e estar à frente dele há 12 anos. É um trabalho de resistência cultural tocar toda semana na noite.

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