Panela na mesa: o jeito mineiro de servir

Leonardo Cabral e Frank Medeiros*
(*) Membros da Frente da Gastronomia Mineira
11/09/2016 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:46
 (Divulgação)

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Para os que acreditam, poderíamos dizer que os deuses da gastronomia brasileira nasceram em Minas e aqui fizeram seus palácios onde, de cima dos seus tronos, abençoam as mãos e o paladar de cada cozinheira e cozinheiro que escolhe a tradicional culinária mineira para dar sabor a seus pratos. 

No Olimpo mineiro, aliás, Minas é tão farta que os montes se multiplicam e cada Deus pode ter o seu: Serra da Canastra, Mantiqueira, Curral, Rola Moça, Cipó... Talvez somos tão abençoados, pois tal fartura de montes, de “olimpos”, mantêm uma distância saudável entre eles, o que garante uma harmonia sem igual destes entes gastronômicos.

Dizem que a generosidade destes deuses é tão grande, que até mesmo os aventureiros, chefs de fim de semana, costumam acertar a mão quase sempre, mesmo sem a prática e a experiência dos mais tarimbados.

Mas comida mineira é só comida? Seriam só os pratos com ingredientes da nossa cultura e da nossa terra? Acredito que não e, apesar de toda essa releitura e consequente valorização da nossa culinária, estamos pecando num aspecto (deuses se aborrecem com pecados): no jeito de servir.
Nossa origem culinária vem da rusticidade das fazendas do período colonial, onde nasceram nossas tradições, a fartura era comum nas mesas onde panelas e gamelas quase transbordavam. A fartura era sagrada, para comer rezando.

Saint Hilarie, botânico francês que passou por Minas no início do século 18 escreveu: “Galinha e porco são as carnes que se servem mais comumente em casa dos fazendeiros da Província de Minas Gerais. O feijão preto é indispensável na mesa do rico, e consiste quase na única iguaria do pobre. E a esse prato grosseiro ainda se acrescenta alguma coisa, é arroz, ou couve, ou outras ervas picadas”.

E continua: “(...) os mineiros não costumam conversar quando comem. Devoram os alimentos com uma rapidez que, confesso, muitas vezes me desesperou (...). Depois da refeição, os comensais se levantam, juntam as mãos, inclinam-se, rendem graças, fazem o sinal da cruz e, em seguida, saúdam-se reciprocamente”. 

Essa tradição descrita por Saint Hilarie, guardadas as devidas proporções, permanece até hoje, no entanto, no quesito do serviço estamos pecando. Hoje, pouquíssimos restaurantes de comida tradicional mineira preservam o serviço como antes eram nas fazendas: panela na mesa.

Aliás, panela, tigela, bandeja, gamela, tudo ali ao alcance das mãos para ser servido ao gosto do cliente, sem que ele precise se levantar para fazê-lo e, é no tinir nas colheres batendo nas bordas nos vasilhames e no burburinho e gargalhadas das conversas que culinária mineira se revela em sua plenitude.

Em tempos onde quase todo mundo anda sem tempo, o self-service se tornou uma opção prática, a quem diga mais democrática, por essas e outras razões as casas que oferecem comida mineira “a la carte” estão se extinguindo, um sacrilégio para dos deuses da gastronomia, mas ainda há os que resistem e oferecem aos clientes uma experiência única, de ser servido na mesa e comer sem pressa, desfrutando de todas as nuances do tempero. 

Sem desmerecer, temos remanescentes da prática tão nobre do self-service: Dona Lucinha, Maria das Tranças, Xapuri, Caipira Xique, etc.

Mesmo com toda falta de tempo, vale a pena se deleitar diante de uma boa mesa cheia de panelas, ser servido com sorriso no rosto e toda gentileza da nossa terra e, ali, redescobrir o prazer não só de comer, mas de saborear a verdadeira comida mineira.

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