‘Se a Vale desativar as minas, será uma perda para o varejo’, diz presidente da CDL

Rafaela Matias
15/02/2019 às 22:31.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:34
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Reforma da Previdência, mudança de comportamento do consumidor e crise da mineração são alguns dos fatores que podem influenciar – para cima ou para baixo – a projeção de crescimento de 3,5% do comércio em Belo Horizonte para este ano. Na presidência da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL/BH) desde 11 de fevereiro, Marcelo de Souza e Silva quer acompanhar de perto o desenrolar dos acontecimentos e promete atuar em conjunto com as autoridades para buscar soluções. 

A favor de novas regras para a aposentadoria, ele defende que todos os setores sejam envolvidos, inclusive militares, deputados e servidores do Judiciário, para que a mudança seja, de fato, justa e eficiente. Também acha que o alinhamento entre o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), possa impulsionar investimentos no Estado.

No cenário econômico, Marcelo de Souza e Silva acredita que as mineradoras, em especial a Vale, exerçam um papel fundamental no desenvolvimento do comércio. Nesta entrevista ao Hoje em Dia, o presidente da CDL/BH diz que é preciso identificar e punir os responsáveis pelas tragédias de Mariana e Brumadinho, mas sem inviabilizar a atuação das empresas do setor.

Qual é a principal meta do senhor à frente da CDL/BH?
A CDL é um entidade que já está há 58 anos em Belo Horizonte e vem fazendo um excelente trabalho. Quero dar continuidade e fortalecer os bons projetos existentes e também trazer novidades. Vamos buscar o desenvolvimento econômico e social dos associados, melhorar a questão da segurança, que é muito importante para o ambiente de negócios saudável, e lutar pela melhora da mobilidade urbana. São questões que queremos desenvolver com o poder público, em conversas com Legislativo, Executivo e Judiciário. Também vamos dar ênfase aos projetos de inovação e fazer com que eles realmente cheguem ao pequeno empresário. Queremos que os comerciantes entendam que inovação não é apenas sobre ferramentas de tecnologia, mas também sobre novos modelos de gestão, relacionamento humano, formas de fidelizar antigos clientes e atrair novos. Outra bandeira da gestão é o “60+”. Vemos como uma oportunidade para nós, comerciantes e prestadores de serviços, cativar e cuidar do público da terceira idade de maneira diferenciada no consumo. O Brasil não se preparou para a realidade que vivemos hoje, em que as pessoas têm uma longevidade maior, envelhecem com qualidade de vida, possuem recursos financeiros. Essas pessoas hoje são decisores de compra. Os familiares pedem o aval delas. Também queremos trabalhar para que essas pessoas que estão em casa, com a experiência desperdiçada, possam ser inseridas novamente no mercado. Mas de uma maneira diferenciada. Não precisa ser cumprindo horário de oito horas todos os dias. 

E a CDL fará alguma política específica de inclusão do público da terceira idade?
Esse é um eixo da nossa gestão: trabalhar com os órgãos públicos a política de inclusão dos idosos. Estamos buscando parcerias com entidades, com movimentos que já lutam nesse sentido, para que possamos nos fortalecer. A ideia é transformar BH em uma cidade modelo em inserção de idosos no mercado de trabalho. Lembrando que em 2030 já teremos mais pessoas acima de 60 anos do que jovens.

Quais são as principais reivindicações dos associados? E o que é possível fazer para atendê-las?
A segurança é a principal reivindicação. Além disso, há muitas dúvidas sobre como buscar crédito para investir no negócio com um custo menor e como facilitar o crédito para o cliente. Também buscamos a qualificação tanto dos empresários quanto dos colaboradores. 

A CDL prevê uma alta de 3,5% nas vendas neste ano. Há expectativa de que setores específicos tenham desempenho melhor?
Percebemos que alguns setores estão passando por mudanças. Atendimentos que eram feitos em loja física hoje são feitos pela internet, nas redes sociais. O comércio tem que se reinventar. Alguns setores saíram na frente e estão se dando bem, como o de veículos e peças, supermercados e perfumarias.

E quais podem enfrentar mais dificuldades?
O setor de roupas e calçados está em um impasse porque as pessoas ainda querem pegar e experimentar os produtos nas lojas físicas, mas também querem a comodidade da internet. A presença digital ainda não superou a presença física, mas ela é necessária. Também estamos vendo uma movimentação no setor de livrarias e papelarias. Hoje, o consumidor encontra produtos usados a preços baixos na web e as pessoas compartilham livros escolares. As redes sociais facilitaram essa troca. São setores que precisam ampliar a visão sobre novos formatos de comércio.

O setor, inclusive, reclamou que as vendas na “volta às aulas” ficaram abaixo do esperado. A que o senhor atribui isso?
É uma conjuntura. Além da questão da internet, ainda há muito imposto sobre o material escolar. É uma pauta que vamos levar para discussão com o governador. Além disso, muitas escolas estão abolindo cadernos e a digitalização está chegando. Precisamos entender essa mudança e buscar uma solução. 

O não pagamento dos servidores públicos estaduais também afeta muito o comércio...
Essa é uma outra pauta para discutirmos com o governador. Estamos dispostos até a buscar juntos por soluções. Tivemos um impacto grande do não pagamento dos servidores públicos estaduais, que afeta muitíssimo o comércio. O dinheiro deixa de circular. E quando ele chega é mal utilizado ou retraído.

E qual é a sua expectativa para o governo Zema?
Muito boa. Já estive com ele e com o Paulo Brant. Estão em fase de formação da equipe, mas já buscando o alinhamento com o governo federal. Precisamos que esse alinhamento seja da melhor maneira possível e acredito que o Gustavo (Barbosa), secretário da Fazenda, tenha muita experiência para isso. Também disse a ele que precisamos atrair investimentos e o setor produtivo está ávido a ajudar.

O senhor acredita que as reformas tributária e da Previdência poderiam contribuir para o aumento das vendas? 
Essas macro definições são muito importantes. O equilíbrio das contas públicas é fundamental, tanto em Minas quanto no Brasil. Precisamos gastar menos do que arrecadamos, e gastar bem. Já estamos com esse ambiente positivo, caminhando e nos fortalecendo para que o desenvolvimento econômico estimule o desenvolvimento social, com geração de empregos. Inclusive, a projeção de crescimento de 3,5% está dentro de uma visão conservadora. Se todo o cenário continuar favorável, acreditamos que pode chegar a 10% em BH. Lembrando que o setor de comércio e serviços representa 72% do PIB da cidade.

A CDL tem sugestões às reformas?
Estamos conversando bastante. Precisamos que elas sejam equilibradas e justas. Não queremos reformas que puxem para o lado de ninguém. Que a gente corte privilégios em todos os setores, entendendo que o atual modelo está falido e precisamos reinventá-lo. Isso inclui militares, deputados e até o Judiciário, que todo mundo fica morrendo de medo de mexer. Na reforma tributária, achamos que o diferencial para micro e pequenas empresas deve ser mantido, pois elas são os maiores empregadores. Além disso, se for privilegiar algum setor, precisa ter uma regra muito clara sobre a devolução. Por exemplo: se for baixar imposto para o setor de automóveis, a arrecadação tem de subir de duas a três vezes para se justificar.

O comércio é uma das áreas que mais empregam no país. Existe alguma previsão de geração de mais postos de trabalho neste ano em BH? Como a CDL pode ajudar nas contratações?
Não temos uma previsão concreta, mas estamos vendo desde 2017, embora em patamar muito lento, a empregabilidade crescer. Já é importante, mas precisamos ser mais agressivos. Acho que o ambiente favorável, com investimento interno e externo, vai contribuir para acelerar o processo. As sinalizações positivas do governo federal, de reforma tributária e da Previdência, criam o ambiente favorável à empregabilidade. E isso é um ciclo virtuoso, pois melhorando a renda das pessoas, estimulamos o consumo consciente, as empresas empregam mais, pagam mais impostos e fortalecem a economia. Além disso, temos de manter a inflação dentro da previsão e a taxa de juros baixa. Aliás, esse é um ponto importante. Temos que ter uma tratativa forte sobre os juros que pagamos para o setor financeiro. O Brasil tem uma transferência muito grande de recursos do setor produtivo para os bancos. Esse dinheiro, quando volta pra gente, volta mal e é demorado. Temos que repensar esse modelo e, inclusive, enviamos sugestões ao Paulo Guedes. 

Qual é o balanço mais recente de pessoas endividadas? A CDL ajuda na renegociação dessas dívidas?
Vimos nos últimos anos um crescimento preocupante do endividamento. A CDL faz a intermediação diária entre o devedor, apontado no banco de dados do SPC, com quem ele está devendo, para tentar soluções. Orientamos essas pessoas para que não repitam o endividamento. Falamos muito sobre o consumo consciente. O empresário quer que o consumidor compre, mas não quer que ele se endivide, porque aí ele deixa de ser consumidor.

Quais são os reflexos da tragédia de Brumadinho nos negócios?
Quando se fala sobre a Vale, pensa-se muito na indústria, mas as consequências disso também recaem no comércio. Se a Vale desativar as minas, será uma perda muito grande para o varejo. Por isso, insistimos que é preciso investir em segurança, mas também trazer novos projetos, que sejam diretos da mineração, ligados a essa área, ou até em outras áreas que movimentem a economia. A Vale é muito importante para Minas Gerais. Precisamos pensar em um caminho para ajudar Brumadinho, mas também entender a importância dessa empresa no Estado. Todos nós sabemos que ela tem um potencial enorme de geração de empregos, investimento e renda em Minas. 

A CDL/BH vai desenvolver algum projeto para ajudar nesse sentido?
Estamos conversando com o Sebrae e com a CDL de Brumadinho. No primeiro momento, pensamos na possibilidade de comprar material de escritório dos comerciantes de lá, para ajudar a fomentar a economia local. Queremos fazer um estudo e planejar outras alternativas, a médio e longo prazo. Também estamos pensando sobre como atrair investimento externo para a região, como forma de compensar o que aconteceu. A CDL/BH também ajudou com ações específicas. Fizemos doação de roupas íntimas e meias para o Corpo de Bombeiros e ajudamos na logística de recolhimento e encaminhamento de doações para as vítimas.

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