Minas precisa de pelo menos 530 novos defensores públicos

Maria Amélia Ávila
mvarginha@hojeemdia.com.br
07/06/2021 às 08:12.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:06
 (Marcelo Sant’Anna/DPMG )

(Marcelo Sant’Anna/DPMG )

Minas não deve cumprir a Emenda Constitucional 80, que determina a existência de um órgão da Defensoria Pública em todas as comarcas e seções judiciárias do país até 2022. A previsão é do defensor público geral estadual Gério Patrocínio Soares. Ele explica que o Estado não tem dotação orçamentária e está proibido de aumentar gastos. Atualmente, são 670 defensores em Minas, mas a lei prevê 1.200, conforme a população mineira. Na entrevista, Soares também fala sobre a atuação para atender os mais vulneráveis em meio à pandemia de Covid nos 853 municípios. 

Quais atendimentos são feitos pela Defensoria Pública? 
De um modo geral são de forma integral nas áreas cível, da família, criminal. Também temos as defensorias especializadas, por exemplo, da defesa da mulher, do idoso, do deficiente, da criança e do adolescente e das pessoas em situação de rua. Temos ainda a defesa criminal para os que estão encarcerados ou respondendo a um processo. Estamos sempre capacitando os defensores para buscar uma solução construída com as partes, de forma a trazer a justiça de forma célere e efetiva. 

Quem pode ser beneficiado?
Pessoas que têm até três salários mínimos de renda individual e cinco de renda familiar. Claro, existem casos que nós analisamos individualmente. Como por exemplo quando a pessoa tem a renda bloqueada ou precisa de um medicamento de alto custo. Essa é uma forma da Defensoria Pública atender a população que mais precisa, porque a própria existência do órgão é para as pessoas mais vulneráveis que buscam o acesso à justiça. Nós consideramos o conceito de vulnerável de forma ampla, não só o vulnerável econômico, mas o vulnerável processual, como foi no caso de Brumadinho. Todas aquelas pessoas atingidas eram vulneráveis, independente da questão financeira.

Defensoria Pública atende pessoas que têm até três salários mínimos de renda individual ou cinco salários de renda familiar, mas outros casos são analisados separadamente, como os dos atingidos em Brumadinho, na Grande BH

E como tem sido a atuação em Brumadinho? 
Vem de uma experiência ruim com o ocorrido em Mariana. A Defensoria Pública, em Mariana, chegou bem depois do início das ações de outras instituições, o que foi diferente em Brumadinho. No caso de Brumadinho, a Defensoria Pública foi a primeira instituição de Justiça a chegar no local, fora as forças de segurança, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e saúde. Nós, de imediato, instalamos um ônibus itinerante, que é um escritório para atuação junto às pessoas, porque já sabíamos que o primeiro direito que elas queriam exercer era o direito à informação. O rompimento da barragem ocorreu em 25 de janeiro de 2019 e o pagamento das pessoas que trabalhavam na Vale seria em 1° de fevereiro. Então, poucos dias depois, as famílias dependiam daquele dinheiro e nós começamos a construir formas de atuação extrajudicial, o que gerou a possibilidade de um diálogo. Construímos um termo de compromisso, após ouvir mais de 3 mil pessoas, e chegamos aos principais pleitos daquela população. A Defensoria Pública construiu uma forma de atuar, tendo os danos elencados, impondo a empresa responsável valores robustos, acima da jurisprudência, para que as pessoas tivessem imediatamente uma reparação, mas com segurança, caso houvessem novos danos, como o desenvolvimento de doenças relacionadas ao acidente. 

A lei prevê que Minas deveria ter 1.200 defensores públicos, mas são 670. Um problema que se arrasta há anos. Como lidar com essa questão? 
Esse é um grande desafio. Como gestor, é o que tira a minha noite de sono constantemente. Nós temos a Emenda Constitucional 80 que determina que, obrigatoriamente, cada unidade jurisdicional tenha um defensor público até 2022. A emenda é de 2014 e prevê que a implementação deveria ser feita em um prazo de 8 anos. É claro que tem que ter uma vontade política e um interesse do governo para que a Defensoria Pública cresça, mas o Estado vive uma crise financeira e a pandemia trouxe dificuldades de crescimento orçamentário. Nós temos um concurso pronto. Hoje, eu teria capacidade de chamar mais de 80 colegas, seriam poucos perto do abismo que a gente tem até a meta da lei, mas estamos impedidos, porque nós temos autonomia orçamentária, financeira, mas não temos o dinheiro propriamente dito. O problema é antigo. Mas não ficamos de braços cruzados. Estamos desenvolvendo formas de atender o cidadão. A pandemia foi um catalisador no sentido de trazer novas ferramentas tecnológicas e formas de atendimento que ampliam a atuação da Defensoria.

“É claro que tem que ter uma vontade política e um interesse do governo estadual para que a Defensoria Pública cresça, mas o Estado vive uma crise financeira e a pandemia trouxe dificuldades de crescimento orçamentário”

Mas se o prazo até 2022 não for cumprido, o que vai acontecer? 
Não existe uma penalidade. Seria muito simples eu transferir esse problema para o gestor estadual, no caso, o governador, mas o próprio orçamento do Estado não comportaria o tamanho desse crescimento necessário. A gente tem que buscar formas alternativas para atender o cidadão, e, com isso, estamos tentando implementar essa Emenda Constitucional 80 com desenvolvimento de aplicativo, com o desenvolvimento de ferramentas que o cidadão possa acessar e que a gente consiga atuar em mais de uma comarca com o mesmo defensor, trazendo uma reestruturação. Não é o ideal, mas não podemos ficar aguardando um milagre econômico que possa trazer essa estruturação, que não acontece do dia para a noite.

Em quantos municípios a Defensoria está presente hoje?
Em 110 e com risco de alguns fecharem porque as pessoas aposentam ou, infelizmente, morrem. Mesmo com esse número pequeno de defensores, nós temos uma média de 650 mil atendimentos por ano. Apesar de fazer muita coisa on-line, existem atendimentos que precisamos ser feitos pessoalmente. Durante a pandemia, mantivemos o atendimento presencial o tempo todo, porque existem pessoas que não têm acesso ao mínimo. Dentro de um contexto de escassez de recurso humano, de escassez de recurso financeiro para atender todo mundo, é preciso eleger áreas de atuação. A gente precisa desse aumento no número de defensores, mas precisamos também atuar com o acolhimento ao cidadão. 

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