Monumentos modernos, projetos arquitetônicos, obras de urbanização, uma cidade em progresso. Esta era a narrativa utilizada em fotografias oficiais de Belo Horizonte na virada dos séculos 19 para o 20. Nas “propagandas”, a presença de imigrantes italianos era exaltada numa tentativa de atrair europeus para povoar a nova cidade.
No entanto, o confronto de imagens oficiais sobre a construção da capital e registros guardados por referências comunitárias e movimentos sociais mostra que a cidade “real” era diferente do que as autoridades tentavam mostrar. As imagens comprovam que a população afrodescendente já ocupava espaços e ajudava a escrever a história de BH – que, nesta terça-feira (12), completa 126 anos.
A conclusão está na tese “Quem vê cara não vê ancestralidade: arquivos fotográficos e memórias insurgentes de Belo Horizonte”, defendida pela arquiteta Priscila Mesquita Musa, que analisou 100 mil imagens para o doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG.
Nos acervos a especialista encontrou uma profusão de pessoas negras, trabalhadores, mulheres e crianças, pessoas que não pertenciam à elite, moradores de ocupações, vilas e favelas, fora do eixo instituído, e imagens que não retratavam apenas homens brancos e engravatados em fotos posadas de apertos de mãos.
“Essas pessoas foram invisibilizadas na história e na fotografia, varridas para debaixo do tapete. Isso aconteceu pela vontade de criar um ideário de cidade pautado em um progresso excludente. É uma hegemonia do olhar, que não enxerga o que acontece no resto da cidade. Foi uma tentativa de construir uma imagem, um modo de vida, um modo de existir, que não consta nas fotos”, explica a pesquisadora.
Ressignificar o presente
Para a arquiteta, um dos objetivos da tese é recuperar as memórias destes moradores, que também foram responsáveis pela construção da cidade, embora este movimento seja pautado por referências comunitárias e de movimentos sociais na cidade.
“As comunidades já fazem isso, tentam incorporar esta memória nos acervos institucionais, mas isso precisa ser potencializado. É necessário que as instituições disponibilizem esses acervos e que eles se mantenham vivos e possam se fortalecer. Mostrar uma construção de BH mais diversa, centrada nas comunidades tradicionais”.
Outra mudança proposta pela pesquisadora é que as imagens possam recontar a história de Belo Horizonte, “ressignificar o presente e mudar o futuro”.
“Esse olhar hegemônico é praticado até hoje. O que aparece em propagandas, nas campanhas políticas, são imagens do progresso, monumentos arquitetônicos, fotos aéreas de bairros inseridos dentro da Avenida do Contorno. Imagens que raramente dão conta da diversidade e da potência que as comunidades e a cidade realmente são”.