Antigo caminho dos tropeiros, rua Padre Eustáquio pode ser tombada pelo patrimônio

Igor Patrick
ipsilva@hojeemdia.com.br
22/07/2016 às 19:46.
Atualizado em 15/11/2021 às 19:58
 (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

(Flávio Tavares/Hoje em Dia)

Uma das ruas mais antigas da capital está na fila para ser tombada pelo patrimônio do município. A movimentada Padre Eustáquio, por onde passam cerca de 20 linhas de ônibus e dezenas de milhares de pessoas por dia, foi alvo de uma discussão no Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural em maio deste ano.

“Gosto muito do bairro, moro em cima da minha padaria até hoje e sou um dos poucos a permanecer na rua Padre Eustáquio mesmo, e não nos quarteirões vizinhos. Mesmo assim, o progresso é uma coisa inevitável e eu quero que as pessoas venham comprar” (Jonas Chico Leite, fundador da Padaria Padre Eustáquio)

Se a ideia for aprovada, os efeitos serão sentidos ao longo dos próximos anos. Estão previstos o enterramento da fiação, que hoje polui visualmente a via, a instalação de iluminação monumental, recuperação das calçadas e readequação do paisagismo. “Foi criado um perímetro para que projetos urbanísticos sejam analisados pelo conselho para garantir o valor cultural do bem como antigo caminho de tropeiros, já que a ocupação é anterior à criação da cidade”, diz o diretor de Patrimônio da Fundação Municipal de Cultura, Carlos Henrique Bicalho.

Com a importância de quem carrega o bairro no nome, o aposentado Jonas Eustáquio, de 66 anos, viu a rua se transformar da janela de casa. Ele é filho de Chico Leite, mineiro de Piumhi que se mudou para BH em 1915 e, em 1946, abriu a Padaria Padre Eustáquio, em frente ao santuário homônimo. “Mudou muita coisa desde que era menino. Aqui na frente passava o bonde, enquanto que na igreja a gente esperava ansioso o fim de semana ou feriado santo porque tinha barraquinha. Era ponto de encontro”.

Engenheiro mecânico, Jonas até trabalhou com terraplanagem. Mas a família cresceu, assim como a vontade de assumir os negócios do pai e fixar base no bairro. “A padaria tinha sido vendida. Fizemos um acordo e a reassumi no fim dos anos 80”. O pai, ele conta, era exigente. Reclamava da forma como o pão estava sendo feito, dava palpite. As intenções eram boas: Chico queria preservar os clientes que já eram parte da família. 

E ao lado dos amigos, o aposentado viu o bairro crescer em tamanho e em importância. Muita gente foi embora para dar lugar ao comércio. Hoje, a padaria, agora sob a tutela de Abraão de Morais Leite, de 36 anos, filho de Jonas, é a principal referência da rua. “Com algumas pessoas do bairro, tenho mais contato que muitos parentes. É incrível isso no Padre Eustáquio, a gente tem uma relação afetiva com o bairro”, frisa Abraão.

Na marra

Jonas não era nem nascido quando a aposentada Francisca de Oliveira Horta, a dona Neneca, de 88 anos, se mudou para o bairro, há 67 anos. Ela veio de Bom Despacho, Centro-Oeste do Estado, casada e com filho de dez meses.

Quando chegou, a região ainda não tinha luz e água. A Padre Eustáquio ainda era chamada de rua Contagem e caminho de boiadeiros. “Desci do bonde com meu marido e com meu pai. Vi aquele lugar cheio de mato e queria ir embora. Ia sair de uma roça para ir para outra?”. 

O pai não deixou e aconselhou o genro a comprar um terreno no bairro. Foram anos pegando água em cisterna e iluminando a casa com lampiões à base de carbureto. 

As cinco crianças (quatro delas nascidas na casa ), porém, foram criadas brincando na rua. Na frente do portão, um campinho de futebol fazia a festa delas enquanto os pais sentavam na calçada para conversar. “Sinto saudade. Muita gente foi embora, mas eu gosto daqui e da vizinhança”, afirma Neneca.

Trechos da rua dos Aimorés, entre Álvares Cabral e Espírito Santo, e da Bernardo Guimarães, entre Bias Fortes e Espírito Santo, são protegidos pelo patrimônio

Expectativa

A senhorinha comemora a iniciativa em preservar a memória da Padre Eustáquio. Para ela, as casas abandonadas ou depredadas matam a história do bairro. “Semana passada estava subindo a rua. Comentei com minha filha que parecia abandonada”.

Dona Neneca acredita que o comércio trouxe facilidades ao bairro, mas problemas. Ela reclama das calçadas estreitas e do trânsito caótico.

Trânsito, aliás, é um dos principais problemas que os moradores esperam mudar caso a rua seja mesmo tombada. Comerciantes, porém, temem que a proibição em se expandir os estabelecimentos atrapalhe o aumento dos ganhos e afugente os clientes.

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