Ataques contra a fé alheia sobem 164% em Belo Horizonte

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
07/11/2016 às 20:12.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:33
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Pertencer a grupos religiosos minoritários ainda é um desafio na capital mineira, sobretudo se a religião tiver matrizes africanas. Dados compilados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República revelam que, em 2015, todas as denúncias de intolerância religiosa registradas em Belo Horizonte foram feitas por praticantes do candomblé ou da umbanda. Na comparação com o ano anterior, as queixas aumentaram 164%.

O assunto foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2016 e reacendeu o debate sobre o problema do preconceito religioso que tem crescido nos últimos anos. Os números impressionam. No âmbito nacional, a quantidade de denúncias saltou de 15, em 2011, para 556, em 2015. 

Os relatos de assédio tanto no trabalho quanto na vida pessoal não são poucos. Para se defender dos intolerante “haters” religiosos o músico e estudante de engenharia civil Douglas Barcelos, umbandista desde o nascimento, conta que passou toda a juventude afirmando ser católico. 

“Já aconteceu de jogarem água benta em mim no meu trabalho ou colocarem uma cruz em cima da minha mesa. Já tive namoradas que terminaram o relacionamento ou disseram que não gostariam de ter filhos comigo pelo fato de eu pertencer à umbanda”, conta.Lucas PratesDIREITO – Daniel Pantuzza acionou a Justiça para usar o turbante ao fazer prova de vestibular em 2014

Caso de Justiça

O professor Davi Pantuzza Marques ou Simranjit Singh, como é conhecido na religião de origem indiana Sikh Dharma, chegou ao ponto de precisar acionar a Justiça para fazer o vestibular da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) usando o turbante, em 2014. Adepto do movimento há cinco anos, ele relata que eventualmente é alvo de olhares curiosos e piadas por causa da barba e cabelo grandes. 

“Aqui não temos tanta intolerância quanto nos Estados Unidos, mas sim chacotas. Já tive experiências das pessoas nas ruas me chamarem de terrorista ou de Osama Bin Laden. A imagem que elas têm ainda é essa”, conta.

No próximo sábado, o evento Peace Prayer Day reunirá em Nova Lima, na Grande BH, membros do budismo, judaísmo, sikh dharma, catolicismo, congado, espiritismo e diversas religiões para celebrar a paz na abertura da Bienal de Kundalini Yoga

Na avaliação do professor de ciência da religião da PUC Minas Rodrigo Caldeira, a intolerância está diretamente ligada ao desconhecimento. 

“As pessoas têm imagens e ideias diferentes do que acontece em cada religião. Isso não é nada novo. A tolerância é poder discordar do outro, mas permitindo que ele continue existindo”, explica.

Para especialistas, diálogo é a única solução para intolerância 

A intolerância não poupa nem mesmo os membros de religiões mais populares no país. No grupo dos evangélicos, que cresceu 61% de 2000 a 2010, segundo dados do Censo do IBGE, as críticas também estão presentes. Auxiliando como pastor na Igreja Metodista de Venda Nova, Paulo Henrique da Silva explica que já foi rotulado como alienado. “Há uma mentalidade de que seguir uma religião está ligado a uma baixa formação. Muitas vezes fui classificado como alguém ‘sem conhecimento’ por essa escolha. Felizmente percebo que hoje isso tem sido desmistificado”. 

Diálogo

O rabino Uri Lam, líder religioso da Congregação Israelita Mineira, afirma que tem percebido mais intolerância religiosa nas redes sociais do que nas ruas. Para ele, há discriminação até mesmo contra os ateus. “Estamos regredindo nesse sentido e o diálogo é sempre o melhor caminho para combater a intolerância. No entanto, há muitos encontros entre lideranças religiosas, quando o que precisamos é levar isso para as pessoas”.Cristiano MachadoAMBIENTE VIRTUAL – O rabino Uri Lam afirma que a intolerância está mais presente nas redes sociais do que nas ruas

O bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte João Justino de Medeiros Silva também defende o diálogo como solução. Ele afirma que ações como a aproximação e convivência, que ajudam a descobrir o outro e as convicções dele, ajudam a superar preconceitos e dar atenção à história de cada tradição religiosa e ao modo como preferem ser identificadas. “Quando estendo a mão para o outro, posso encontrar um amigo que, na sua opção religiosa diferente da minha, continua sendo pessoa destinatária do meu respeito”.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por