
Na Igreja São Francisco de Assis, curvas reinventadas no concreto armado. No Museu de Arte, um palácio ornamentado por vidros e espelhos. Já no Iate Tênis Clube, construção em forma de um barco lançado sobre as águas e, na Casa do Baile, simplicidade e singeleza com as colunas expressivas e marquise ondulada.
O traço ousado dos edifícios, inspirado no barroco e nas montanhas de Minas, é assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907 – 2012). As engenhosas construções transformam a orla da lagoa da Pampulha, na capital, em sinônimo de arte, harmonia, patrimônio, beleza e história. Passados 75 anos desde a concepção da obra, o cartão-postal mais famoso de BH está prestes a receber reconhecimento internacional.
Daqui a seis dias, o conjunto moderno da Pampulha, formado pelos imóveis articulados em torno do espelho d’água, enfrenta o último desafio para obter o título de patrimônio cultural da humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação (Unesco).
Na próxima sexta-feira, técnicos de 21 países estarão reunidos em Istambul, na Turquia, para decidir se o complexo arquitetônico será elevado a patrimônio do mundo.
A concorrida chancela, além de garantir o aporte de recursos e a valorização dos bens, deve contribuir para alavancar o turismo e trazer novos investimentos para a cidade. “A Pampulha merece. Todos os arquitetos do mundo defendem ela. O título, caso seja confirmado, deve ser motivo de muito orgulho não só para Belo Horizonte, mas para todo o Brasil”, afirma Luciana Rocha Féres, diretora do Conjunto Moderno da Pampulha, órgão vinculado à Fundação Municipal de Cultura.
Luciana ainda acrescenta: “é um reconhecimento de valor universal, excepcional. Esse conjunto não existe em nenhum outro lugar do mundo. É algo único”.
A singularidade do equipamento cultural, erguido na metrópole mineira, é um dos temas que serão mostrados em uma série do Hoje em Dia, a partir deste domingo.

"O título deve ser motivo de muito orgulho não só para Belo Horizonte, mas para todo o Brasil", diz Luciana Féres
Contagem regressiva após duas décadas de espera
Assim como as curvas projetadas por Niemeyer, o caminho percorrido pela Pampulha na tentativa de buscar a chancela internacional foi sinuoso. O complexo está na lista indicativa do Brasil para obter o reconhecimento desde 1996. A candidatura, no entanto, só foi retomada em 2012.
De lá para cá, uma série de desafios foram enfrentados, e muitos outros ainda estão por vir: da promessa antiga de despoluição do espelho d’água à revitalização dos equipamentos culturais. Algumas edificações, como a Igreja São Francisco de Assis, sofrem há anos com a falta de zelo. Mas o problema mais grave está na requalificação do Iate Tênis Clube, que foi descaracterizado.
Os entraves, no entanto, não serão empecilhos, garante a Fundação Municipal de Cultura. Um plano de intervenção foi traçado e definido junto à Unesco. BH tem até 2019 para ver o templo religioso livre das infiltrações, a lagoa limpa e o puxadinho do clube jogado no chão.
A família de Oscar Niemeyer comemora a candidatura e está ansiosa pelo anúncio. Para Carlos Ricardo Niemeyer, bisneto do arquiteto e superintendente da Fundação Niemeyer, o título, além de valorizar ainda mais a obra, ajuda a garantir a preservação. “Foi na Pampulha que o trabalho dele realmente começou. Esse esforço em prol da chancela será recompensado com a integridade deste patrimônio”.
Conforme Carlos Ricardo, caso o bisavô estivesse vivo, o reconhecimento mundial seria “uma das maiores satisfações” do gênio da arquitetura, principalmente devido às mudanças previstas. “Uma das maiores tristezas dele era ver a obra (Iate) descaracterizada. Para que este aval da Unesco se concretize, será necessário revitalizar o espaço como era em sua concepção. Sem dúvida, isso o faria muito feliz”.
Linha do tempo
Dezembro de 2012
O conjunto moderno da Pampulha está na lista indicativa do Brasil para o patrimônio mundial desde 1996, mas a candidatura só foi retomada 16 anos depois. Foi criada uma comissão para elaborar um dossiê.
Abril de 2013
Técnicos do Iphan de Brasília fazem visita à orla da lagoa e aos imóveis que compõem o conjunto. Além de conhecer melhor o local, tinham como objetivo definir um cronograma de trabalho.
Dezembro de 2014
Após dois anos, é finalizada a primeira versão do dossiê. Com mais de 500 páginas, o documento é entregue ao Iphan e, depois, remetido à Unesco para a oficialização da candidatura.
Março de 2015
Unesco informa que a candidatura havia sido aceita pela entidade. Criada nova comissão, envolvendo diversas secretarias municipais, para articular projetos e intervenções na região.
Setembro de 2015
BH recebe a chamada missão de avaliação do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos). Durante quatro dias, uma arquiteta venezuelana analisa a região.
Fevereiro de 2016
Última versão do dossiê é entregue. Novo documento traz um plano de intervenção para o conjunto moderno com diversas ações que devem ser feitas em até três anos.
Maio de 2016
Unesco envia ao Itamaraty parecer favorável à candidatura da Pampulha a patrimônio cultural da humanidade.
Julho de 2016
Acontece a 40ª sessão do comitê do patrimônio mundial da Unesco, em Istambul (Turquia). No encontro, será decidido se a Pampulha será reconhecida como patrimônio do mundo.
