Envolvido em abordagem que terminou com jovem morto, policial é afastado e fará 'serviços internos'

José Vítor Camilo
28/11/2019 às 18:42.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:51
 (REPRODUÇÃO / GOOGLE STREET VIEW)

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Foi afastado para serviços internos no 16º Batalhão o policial militar que é acusado de agredir um jovem de 24 anos que morreu, na tarde de quarta-feira (27), após uma abordagem na Vila Pica-Pau, no bairro Jardim Vitória, região Nordeste de Belo Horizonte. Segundo o comandante do batalhão da área, o tenente-coronel Frederico Otoni, um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado e o suspeito da violência foi afastado. 

As supostas agressões aconteceram na avenida José Rachel de Pinho, no fim da tarde de quarta, quando o jovem, um cunhado e um amigo, pessoas com quem ele estava trabalhando capinando o lote de uma igreja evangélica do bairro, iam embora. Segundo a irmã da vítima, de 22 anos, casada com um dos abordados pela polícia, os policiais já teriam chegado ao local bastante agressivos. REPRODUÇÃO / GOOGLE STREET VIEW
A abordagem que culminou na morte aconteceu na avenida José Rachel de Pinho, na Vila Pica-Pau, em BH

"Meu irmão falou para eles que não estavam fazendo nada errado, que estavam trabalhando, e mostrou o pé todo sujo de barro. Nisso esse militar já deu uma rasteira nele, que caiu e bateu a cabeça no chão. A polícia fala que ele reagiu à abordagem, mas o que as testemunhas dizem é que ele não teve sequer tempo de reagir. Depois disso arrastaram ele para outro lugar e, com ele já sem força, esse policial deu uma pisada no peito dele", detalha a familiar. 

Depois do jovem desmaiar, ele foi reanimado pelos próprios policiais que, em seguida, o encaminharam para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Primeiro de Maio, onde, ainda de acordo com a PM, ele teria passado pelo procedimento de reanimação outras cinco vezes antes de ter a morte constatada. A polícia afirmou ainda que o médico responsável teria dito inclusive que o único ferimento constatado no rapaz eram antigos e estavam em seus joelhos. 

Após a repercussão do caso, na noite de quarta o porta-voz da Polícia Militar (PM), major Flávio Santiago, convocou uma coletiva em que afirmou que, no dia, foram realizadas várias operações contra o tráfico de drogas na região, abordando vários indivíduos entre 15h e 16h. "Vários fugiram e, mais tarde, estes três homens foram abordados. Um deles resiste à abordagem, é necessário o contato por conta da resistência e ele se nega a obedecer as ordens. Quando conseguem imobilizá-lo, ele arrefece na resistência e passa inclusive a conversar com o policial, se levanta e, depois, começa a passar mal", argumentou Santiago. 

Durante a coletiva, o porta-voz chegou a dizer que o rapaz morto já teria sido detido anteriormente por tráfico de drogas, e que os outros dois abordados pela polícia também já tinham sido detidos anteriormente. A informação é contestada pela família da vítima. "Eles estão falando mentira, dizendo que ele tinha passagem sendo que ele nunca foi preso. Ele não tem passagem nenhuma, não vendia droga. A única coisa que ele fazia era usar, mas sempre respeitou o limite da outra pessoa, não desrespeitava ninguém", completa a irmã do rapaz. 

Segundo ela, a vítima estava desempregada, mas sempre trabalhava como servente de pedreiro nas obras juntamente com o pai. "Ajudava meu pai toda semana e, quando não estava fazendo nada, pegava uns bicos igual esse de capinar a igreja. Ele era inocente, ninguém que estava lá fez nada de errado", finaliza a parente.

Buscando pelo nome da vítima no sistema do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), nenhuma condenação criminal foi localizada. 

Pastor confirma que jovem trabalhou no local

Diante da versão apresentada pelos familiares, de que o rapaz estava indo embora após trabalhar capinando o lote de uma igreja, a reportagem conversou também com o pastor do local apontado. Ele confirmou a versão da família, de que a vítima esteve no local e ajudou o cunhado a fazer a capina.

"Dois deles estavam fazendo a limpeza do lote da minha igreja. O cunhado desse rapaz pediu que eu fizesse uma oração e, depois que eu orei, ele ficou lá com eles. Eu fiz um almoço para eles e eu fui descansar. Isso aconteceu depois que eles terminaram todo o serviço. Quando eu estava saindo para meus compromissos, recebi uma ligação falando do ocorrido e eu fui lá para a UPA. Contei isso tudo para os policiais", detalha. 

O rapaz morto será velado a partir da noite desta quinta e enterrado na manhã de sexta-feira (29) no cemitério Terra Santa, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

Militar foi afastado até que fatos sejam apurados 

Segundo o comandante do 16º Batalhão, tenente-coronel Frederico Otoni, uma equipe fazia uma operação de combate ao tráfico e abordou o trio em um local conhecido por ser usado por usuários de drogas e traficantes. "Foram abordar os três indivíduos e um deles teria reagido, momento em que o militar usou força física para contê-lo. Segundo o militar, logo depois disso o suspeito teria levantado novamente, mas em seguida passou mal com sintomas de ter sofrido uma parada cardiorrespiratória", argumenta. 

De posse do relato dos militares envolvidos na ocorrência e dos outros dois abordados, a corporação instaurou na manhã de quinta-feira o inquérito com o objetivo de identificar, com base na necrópsia da vítima, se a morte pode estar relacionada com a ação policial. "Se houver relação, a gente parte para a segunda situação, que é apurar se houve uso excessivo de força. Mas a peça chave é o laudo do IML. Apesar disso, o militar que teve que usar força física durante a ação foi afastado preventivamente. Ele vai realizar apenas trabalhos internos no batalhão até que a apuração seja encerrada. Os outros dois militares continuam trabalhando normalmente", completa o comandante. 

Indagado sobre a contestação dos parentes do jovem morto sobre a informação de que ele já teria passagens pela polícia, o tenente-coronel afirma que existe sim no sistema da corporação um Boletim de Ocorrência em que a vítima aparecia como autor do crime de tráfico de drogas. "O BO é uma peça inicial de uma ocorrência. O que acontece é que pode ser que ele não tenha sido condenado, ou que o delegado desqualificou ele como autor e não ratificou a prisão da PM. É uma ocorrência de 2018, decorrente de uma denúncia anônima de tráfico de drogas que foi verificada por nossos homens", conclui.

Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Civil (PC) explicou que a instituição só atua caso exista indício de crime na morte do rapaz. "Para tanto, precisamos aguardar o laudo da perícia para darmos início aos primeiros levantamentos. O laudo fica pronto dentro de um prazo de 30 dias, que pode ser prorrogado pelo mesmo período", diz a nota. 

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