Extermínio nas estradas que poucos querem ver

Gabi Santos - Do Hoje em Dia
26/12/2012 às 03:33.
Atualizado em 21/11/2021 às 20:02
 ( Sidney Severino de Castro/Divulgação)

( Sidney Severino de Castro/Divulgação)

O desaparecimento dos habitats provocado pela destruição ambiental e o contínuo avanço da fronteira agrícola no Brasil estão provocando, por ano, a morte de mais de 200 milhões de animais silvestres em atropelamentos rodoviários no país. Estes números, inacredítáveis para muitos, foram fornecidos por dois respeitados biólogos brasileiros, Alex Bagger, professor de Biologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA), fundador da revista científica do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas, e Paulo Hartmann, biólogo e professor da Universidade Federal da Fronteira Sul do Brasil, no Rio Grande do Sul.

Os dois cientistas afirmam que, apesar de parecerem irreais, estes números são verdadeiros e devem estar abaixo da realidade. Bagger está finalizando um trabalho que deverá ser publicado nos próximos meses, no Brasil e no exterior, afirmando que os cálculos mais próximos da realidade devem apontar a morte de cerca de 500 milhões de animais silvestres por ano no Brasil, o que pode configurar um extermínio.

Paulo Hartmann, da Universidade da Fronteira Sul do Brasil, no Rio Grande do Sul, disse que não tem números oficiais e exatos, mas a mortandade de animais silvestres nas estradas dessa parte do país "é uma preocupação que está sendo estudada pelos biólogos".

Com base em seus estudos, o pesquisador afirma que a matança de animais silvestres por atropelamentos em estradas federais, estaduais, municipais e vicinais é uma tragédia ecológica anual que não é divulgada nos noticiários dos jornais, revistas e emissoras de televisão. "Apesar da gravidade do assunto, o assunto não ganha visibilidade na grande imprensa", disse o biólogo, ao ser entrevistado pelo HOJE EM DIA.

160 milhões de pequenos animais mortos por veículos

Ele acrescenta que as espécies mais atingidas, com mais de 160 milhões de exemplares mortos todos os anos, normalmente passam despercebidas, são pequenos animais tipo sapos, cobras, pequenas aves, roedores. Entretanto existem algumas de grande porte, inclusive ameaçadas, que são muito suscetíveis ao atropelamento, tais como o tamanduá-mirim, puma, lobo-guará, felinos em geral. Há ainda aquelas não ameaçadas, mas amplamente atropeladas, como a capivara, o gambá, as diferentes espécies de cachorro do mato.

 


"Concordo que esses números são assustadores", comentou o professor Bagger. "Mas eles são verdadeiros e estão calculados por baixo, porque a realidade deve ser muito mais trágica. Isso se deve ao seguinte fato: o Brasil possui a maior malha rodoviária da América Latina e temos um cálculo de que os animais silvestres mortos por ano estão entre 200 e 250 milhões de seres. Agora veja a realidade dos Estados Unidos, país que tem a maior malha viária das Américas.

Os cientistas calculam que o total de animais silvestres que morrem, por ano, atropelados nas estradasnorte-americanas, está acima de 360 milhões. Além dos pequenos vertebrados, temos os médios vertebrados que incluem algumas espécies de aves, algumas espécies de répteis, algumas tartaruras e mamíferos. Os grandes vertebrados atingidos pelos atropelamentos incluem em sua maioria felinos (onças pardas e pintadas e outras espécies), além de canídeos (como os lobos), tamanduás e outras espécies".
 


Lobo atropelado no km 48 da BR-116, no Rio Grande do Sul (Foto: Solano Ferreira/STE/Divulgação)


Os cálculos que apontam os números impressionantes tomaram como base os estudos feitos por biólogos de todo o país. De acordo com Bagger, não existe uma pesquisa nacional de atropelamentos de fauna no Brasil. "Na verdade, não existe em lugar nenhum do mundo. São realizados estudos científicos pontuais, em diferentes regiões, e isso nos dá uma idéia do quanto estamos impactando no todo. Se pensarmos em termos de região, certamente a Sudesde é a que possui a maior mortalidade por atropelamento, por causa da maior densidade de rodovias e pelo maior número de veículos.  Existem outras localidades onde a biodiversidade é elevada e a mortalidade é grande, como o Pantanal, no Centro-Oeste, e a Estação Ecológica do Taim, no Rio Grande do Sul".

Situação mais grave no Pantanal

Além de Alex Bagger, o HOJE EM DIA ouviu outros prestigiados biólogos brasileiros, entre eles Nilton Cáceres, que tem destacada atuação na região Centro-Oeste do país. Perguntado sobre o número elevado de animais silvestres atropelados e mortos todos os anos no Brasil, ele concordou com as informações de que mais de 200 milhões de animais devem ser vítimas das estradas.

"Não tenho acesso a esses cálculos, mas se contarmos todas as rodovias do país e toda a biodiversidade faunística, pode ser que esses números sejam até maiores. No Pantanal, a situação é mais grave, em termos gerais, pois a fauna tem que se movimentar de acordo com o regime das águas, e as rodovias, sem facilitadores de passagem de fauna, transformam-se em obstáculos e armadilhas".

Questionado sobre quais espécies animais são mais atingidas por esses acidentes e quais as que estão ameaçadas de extinção, Cáceres afirmou que no Pantanal e no cerrado do Centro-Oeste as que mais sofrem são o lobinho, ou graxaim do mato, e o tatu-peba. E entre as ameaçadas de extinção destaca-se o tamanduá bandeira".

Para o pesquisador, o drama da mortandade de animais silvestres por atropelamentos só poderá ser minimizado a partir do momento em que forem construídas passagens aéreas ou por túneis, além de cercas laterais em todas as estradas localizadas em áreas de preservação ou junto ao que resta de matas e florestas no Brasil.

Henrique Villas Boas Concone, biólogo e mestre em ecologia e conservação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, confirmou a situação crítica em que se encontra a fauna silvestre no Centro-Oeste. "Tenho feito um monitoramento intenso em um trecho pequeno, de 30 quilômetros da BR-262, (ligação entre Campo Grande e Corumbá), na região do município de Miranda, como experiência. Esse monitoramento está em curso há quase dois anos e, realmente, a quantidade e variedade de espécies faunística atingida pelos atropelamentos é alarmante".
 


Na rodovia que liga Ilhéus a Itacaré (BA) foram colocadas passarelas aéreas (Foto: Sandoval Mendes/Divulgação)


Sandoval Mendes, funcionário do Ibama da Bahia, também tem resgistrado a multiplicação dos atropelamentos de animais silvestres na região Nordeste do Brasil. "Sabemos que a desfragmentação de habitats é uma das principais causas de fuga de animais das matas para as áreas povoadas. Temos aqui, na Bahia, um exemplo do que pode ser feito para melhorar essa situação. A rodovia que liga Ilhéus a Itacaré, que atravessa áreas de preservação ambiental, possui passarelas aéreas para permitir que os animais cruzem a estrada".

"Mesmo assim os acidentes continuam. As áreas mais comuns destas ocorrências são as rodovias federais BRs 101 e 116, que passam pelo Estado, e as espécies mais afetadas são o macaco prego, o lagarto teiú, a jararaca-da-mata, o tamanduá-mirim, a preguiça de coleira e várias espécies de serpentes", explica Mendes.

Ibama não possui números do problema

Todos os projetos de construção, duplicação ou reforma de trechos rodoviários são submetidos às exigências legais estabelecidas pelo Ibama, para proteção da fauna silvestre. A assessoria do Ibama foi procurada em Brasília e informou que não possuía números de atropelamentos de animais silvestres no país.

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