(FLÁVIO TAVARES)
Da varanda da casa, cercada por pés de limão, jabuticaba e manga, Alaíde Fernandes, de 82 anos, observa a movimentação de helicópteros que buscam por vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho. O semblante cabisbaixo e os olhos marejados escancaram a nova realidade da moradora do Parque da Cachoeira, na zona rural da cidade da Grande BH. A paz e a tranquilidade foram varridas pela lama.
A mulher é o retrato de muitos idosos que criaram a família e construíram uma história de décadas nos pacatos vilarejos atingidos pelo desastre. Pessoas que perderam a criação de galinhas, o sossego dos quintais e até as sombras das árvores. Gente que já passou por tantos desafios na vida e, agora, se veem na maior das provações.
Na residência de apenas cinco cômodos, a 500 metros da área atingida pelos rejeitos, Alaíde ainda tenta assimilar tudo que passou nos últimos dias. Enquanto aguarda a água ferver no fogão a lenha para coar o café, fala sobre o sobrinho de 30 anos, que era funcionário da Vale e está entre os desaparecidos. “Meu sentimento é de tristeza, por ele que se foi, e por tantas famílias que perderam pessoas queridas e sequer conseguiram ver os corpos. Elas estão com os corações magoados”.
Ex-moradora de Porto Seguro, na Bahia, a dona de casa veio para Brumadinho em 1999, após perder um filho que se envolveu em um acidente de trânsito. Esse foi o sétimo, entre os 14, que viu morrer. O marido, de quem se separou há dez anos, vive em um asilo e a idosa mora com a neta Poliane Fernandes, de 14.
“Minha cabeça está ruim. Fico ouvindo esse ‘zumbido’ do helicóptero e só piora. Para conseguir dormir, tomo três remédios”. A mulher precisou ser levada para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Brumadinho, na última segunda-feira, após passar mal. “Foi por causa dessa confusão toda”, garante.Flávio Tavares“A gente morou a vida toda de aluguel. Agora que aposentamos e compramos um terreno e construímos nossa casinha vamos abandonar?”(Halcira Gonçalves)
Sem arredar o pé
Tomados pelo temor que ronda a região, principalmente após rumores de que uma nova barragem da Vale poderia se romper, um dos filhos de Alaíde a chamou para morar em Belo Horizonte. “Se minha saúde estivesse boa, voltaria para a Bahia para morar com minha irmã porque a nossa cidade acabou. Agora, só saio daqui para o cemitério”, lamenta a idosa.
Se da varanda Alaíde reflete sobre o desastre, Maria Aparecida Cordeiro, de 83 anos, acompanha, desde a sexta-feira, o mar de lama que se formou no quintal da chácara em que mora com uma filha, o genro e um neto, há quatro décadas. O imóvel está em uma parte alta do Parque da Cachoeira e, por isso, não foi preciso desocupá-lo, mesmo estando a cerca de 200 metros de casas devastadas pela lama. Flávio Tavares“As famílias estão com os corações magoados”, diz Alaíde
Da janela da cozinha, ela viu a nuvem de poeira causada pelo rompimento da barragem que se formou no terreno. No trecho em que corria um córrego, onde já se refrescou, agora a mulher só vê troncos, sedimentos, escombros e até corpos. “Já encontraram duas pessoas aqui”.
Ainda impactada com a magnitude da tragédia, Maria Aparecida não se esquece de vizinhos que se foram. “Eu saí de Formiga (Centro-Oeste de Minas) para morar aqui. Jamais imaginei que passaria por essa situação. A minha tristeza é absoluta porque vi esse bairro crescer, ser povoado, e tudo acabou em minutos”, relembra a idosa, que oferece café, água, lanches e o banheiro da residência para um grupo de policiais militares que estão na região para evitar saques aos imóveis isolados.
'A gente não merece isso'
Um dos imóveis que teve recomendação da Defesa Civil para ser esvaziado foi o de Lacir Monteiro, de 81 anos, e Bernarda Maria da Cruz, de 80. Também no Parque da Cachoeira, a casa está próxima a uma área atingida pelo tsunami de barro. Os cômodos são cercados por um galinheiro e algumas árvores.
“Vou sair daqui para ir morar de favor com a minha filha? A cidade está abalada, destruída, mas vou continuar aqui. Deus vai ajudar que nada mais vai acontecer, já sofremos demais”, diz Bernarda. O marido, Lacir, também insiste em permanecer. “Não vou deixar meus dois cachorros, minhas galinhas aqui”, garante.
Além dos problemas gerados pelo rompimento da barragem, como a destruição da estrada que levava os moradores do bairro a Córrego do Feijão, Casa Branca e ao Centro de Brumadinho, eles também viram a residência ser destelhada após o temporal de vento e granizo que atingiu a cidade na última quarta-feira. “Foi uma coisa horrível. Achei que essa cidade ia acabar de vez”, frisa. Flávio Tavares“Saí de Formiga para morar aqui. Jamais imaginei que passaria por essa situação. A minha tristeza é absoluta porque vi esse bairro crescer, ser povoado, e tudo acabou em minutos” (Maria Aparecida Cordeiro)
“Vou pra onde?”
O drama de conviver em um lugar devastado pelo desastre não pode ser amenizado. Pelo menos para Halcira Gonçalves, de 70 anos, e o marido Idalino Silva Santos, de 67. “A gente morou a vida toda de aluguel no Centro de Brumadinho. Agora que aposentamos e compramos um terreno e construímos nossa casinha vamos abandonar?”, questiona Halcira.
Idalino conta temer um novo desastre. Ele está muito infeliz com a rotina que tem vivido desde a tragédia, principalmente devido às dificuldades de locomoção para outras regiões de Brumadinho. “A gente não merece isso. Estou desanimado de viver nesse lugar, não tem nada que volte com a minha alegria. Mas, não tenho dinheiro para sair”, revelou o aposentado.