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'Já cheguei a ficar 20 dias sem comer', conta morador de rua de BH; UFMG analisa retrato da fome

Rodrigo de Oliveira
rsilva@hojeemdia.com.br
Publicado em 15/09/2022 às 07:49.
Renê: "já cheguei a ficar 20 dias sem comer" (Maurício Vieira/Hoje em Dia)

Renê: "já cheguei a ficar 20 dias sem comer" (Maurício Vieira/Hoje em Dia)

Renê*, de 39 anos, mora na rua desde 2019. Dono de um colchão velho e alguns cobertores, ele tem como teto o viaduto Leste, próximo à Rodoviária de Belo Horizonte.

Desempregado, depende de doações de terceiros ou das refeições gratuitas no restaurante popular para conseguir comer.

“Nunca faço mais de duas refeições por dia. Às vezes, tomo café da manhã e só vou jantar à noite. Já cheguei a ficar 20 dias sem comer”, conta. 

O morador de rua faz parte de um grupo que não consegue completar três refeições por dia ou deixa de comer por falta de dinheiro, o que configura insegurança alimentar grave. Em Minas, pelo menos 1,7 milhão de pessoas enfrenta o drama.

“São pessoas que não têm certeza se vão comer e vivem assombradas pela possibilidade de passar fome. A fome desperdiça o potencial humano. Pessoas que poderiam ser produtivas estão preocupadas apenas em sobreviver. É um desastre para o país”, afirma o professor de sociologia da UFMG, Jorge Alexandre Neves. 

No Brasil, cerca de 15,4% das pessoas não conseguem tomar café da manhã diariamente, 10% não almoçam todos os dias e 19,9% não jantam diariamente. 

Busca por restaurantes populares em BH cresceu 41% em 2022 (Maurício Vieira/Hoje em Dia)

Busca por restaurantes populares em BH cresceu 41% em 2022 (Maurício Vieira/Hoje em Dia)

É o que revela  o 2º Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar no Brasil no Contexto da Covid-19 (II Vigisan). O trabalho foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). 

Segundo a pesquisa, o número de pessoas passando fome no país saltou de 19,1 milhões em 2020 para 33,1 milhões em 2022.

“Os principais motivos para o agravamento da situação são o aumento da inflação e a desvalorização do salário mínimo. A reforma trabalhista e a precarização do mercado também contribuíram, pois jogaram as pessoas para a informalidade”, analisa Jorge Neves. 

Para o pesquisador, a solução é retomar políticas públicas de qualidade. “O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e os bancos de alimentos dos municípios são boas saídas, mas estão enfraquecidos pela ausência de iniciativas do governo”, diz. 

Restaurantes populares

Outra possibilidade apontada no 2.º Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar no Brasil é o fortalecimento dos restaurantes populares. 

“São ferramentas fundamentais para a oferta de alimentação adequada e saudável, a preços acessíveis para a população", afirma Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan, responsável pela pesquisa.

No entanto, ele diz que é preciso facilitar o acesso. "Em geral, os restaurantes populares são instalados na área urbana, próximos a centros comerciais ou de grande circulação e, portanto, longe das periferias”, diz.

Rosemilda Alves Moreira, de 38 anos, sabe bem a importância dos restaurantes populares. Desempregada, ela mora na rua há cinco anos e também vive com insegurança alimentar. A mulher só come quando recebe doações e no popular. 

“Se não fosse aqui, passaria fome. na verdade, há alguns anos atrás, eu já cheguei a ficar sem ter o que comer. É uma sensação horrível”, diz.

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, esta é uma das políticas adotadas para combater a fome. A cidades tem cinco unidades e oferece refeições que custam entre R$ 0,75 a R$ 3.

“Também atendemos, de forma gratuita, a população em situação de rua cadastrada e oferecemos 50% de desconto aos beneficiários do Bolsa Família. Em 2021, foram servidas 2.059.863 refeições”, informou a PBH. 

O número de refeições servidas nos restaurantes populares de Belo Horizonte, de janeiro a abril deste ano, cresceu cerca de 41%, na comparação com o mesmo período de 2021. Foram 830.903 atendimentos nas quatro unidades da capital. 

Outras políticas públicas

Além dos restaurantes populares, a PBH destaca que tem outras medidas, como o Programa de Assistência Alimentar e Nutricional Emergencial (PAAN), que oferece um cartão com recarga mensal  de R$100 para famílias em extrema pobreza.

“Também contamos com um banco de alimentos, que recebe e doa comida para pessoas em situação de vulnerabilidade. Temos ainda o Auxílio por Vivência de Situação de Insegurança Social (Avise), um benefício temporário de R$ 300 destinado a quem se encontrem em situação de insegurança social agravada por eventualidades”, explica. 

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), do governo estadual, também informou que tem algumas políticas públicas, como o Raízes de Minas, que apoia o desenvolvimento da agricultura familiar e tenta garantir a segurança alimentar para comunidades tradicionais em situação de vulnerabilidade social. 

Além dos programas continuados, o governo também adota medidas emergenciais, como a distribuição de cestas básicas destinadas aos atingidos pelas chuvas no início do ano.

* Renê não quis informar o sobrenome

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