Fome

Jovem que pediu para ficar preso para poder jantar comove a Internet

Clara Mariz
@clara_mariz
08/06/2022 às 20:19.
Atualizado em 08/06/2022 às 20:48
 (Reprodução)

(Reprodução)

A história do rapaz de 20 anos que pediu para ficar na cadeia para garantir uma refeição, ganhou as redes sociais e mobiliza a internet desde o último domingo (5). O jovem foi preso por roubar um celular em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, na última sexta-feira (3).

Ele ganhou liberdade provisória, mas pediu para ser liberado só após o jantar, alegando que seu corpo estava “muito fraco” e que tinha medo de “passar mal na rua”. 

O caso viralizou depois que o promotor do Ministério Público de Minas Gerais Luciano Sotero Santiago publicou o fato em uma rede social. O post, que já tem mais de 3.387 curtidas, é breve e conta sobre o pedido inusitado do jovem. 

De acordo com Santiago, ao contrário do que parte da população julga, a decisão da liberdade provisória concedida ao rapaz, segue uma série de critérios.

O promotor explica que toda pessoa suspeita de cometer um crime já começa respondendo em liberdade. E que a prisão preventiva ocorre  apenas quando há risco de fuga, ameaça à testemunha, destruição de provas, pela gravidade do crime ou se o autor for reincidente e volte a cometer outros delitos.

No caso do jovem, o promotor concluiu que a escolha da vítima foi ao  acaso, portanto não existindo a hipótese de a pessoa ser seguida ou ameaçada.

Além disso, explica Santiago, o rapaz apresentou dois endereços de residência, não havia indicativos de risco de fuga, e ele aceitou  monitoramento por tornozeleira eletrônica. Já quanto ao risco de reincidência, essa foi a primeira passagem do rapaz, que não apresentava relação ou intenção de cometer algum crime novamente. 

Fome 

O que mais chamou a atenção nesta história, foi o fato de o suspeito pedir para ficar mais tempo preso para que pudesse jantar, já que passava fome na rua. O promotor responsável pelo caso afirma situações em que a pessoa “abre mão da própria liberdade, para ter um prato de comida” comovem a população.

Nesta quarta-feira o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 revelou que a fome atinge cerca de 33,1 milhões de pessoas no Brasil. Ainda conforme o levantamento, outras 125,2 milhões afirmam conviver com insegurança alimentar. Já a quantidade de brasileiros que vive com restrição de água chega a 12% da população. 

A insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. Ela é classificada em três níveis:

  • Leve (quando há Incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e/ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida);
  • Moderada (quantidade insuficiente de alimentos);
  • Grave (privação no consumo de alimentos e fome).

Acesso à tratamento

Outro ponto da audiência de custódia do último domingo que sensibilizou o promotor Luciano Sotero Santiago foi o fato de o réu apresentar sintomas de doenças psíquicas e não possuir acesso a tratamentos.

O jovem relatou que tem episódios de ansiedade, não consegue dormir direito e, às vezes, tem visões. Diante ao que foi apresentado, a juíza que presidia a audiência determinou que o rapaz recebesse tratamento psiquiátrico e tivesse acesso a remédios. 

Sistema punitivo 

O promotor diz que sua atitude é vista por parte da população como errada. Já que o que essas pessoas pregam é que gente pobre deve ser presa para que “saiba que existe lei”. 

“Eu como classe média, que como todo dia e só passo fome quando faço dieta, não tenho condições de avaliar a miséria do outro. O sistema de Justiça só reproduz o que está na nossa sociedade”, disse o promotor Luciano Sotero Santiago.

O promotor afirma que, além de seguir o que a lei prevê, que é a liberdade provisória, a ação não gera impunidade, uma vez que, além de ainda responder a um processo, o suspeito, caso descumpra as medidas impostas pela juíza, pode ser preso novamente.

Além disso, Santiago diz que, por experiência, sabe que “mandar um jovem sem antecedentes para uma prisão é colocá-lo ou para ser vítima sexual, ou para ser integrado em alguma organização criminosa”. 

Para o promotor, o sistema de Justiça é estruturado em cima de uma seletividade de punição, de “racismo estrutural” e de uma visão elitizada e exclusiva.

Ele dá como exemplo casos em que pessoas furtam alimentos. “Se uma pessoa pobre furtar uma caixa de leite, ela vai ser presa. Mas se uma pessoa rica deixar de declarar R$ 20 mil em imposto, ela nem será julgada”, conclui. 

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