Justiça lenta adia retomada de vida para famílias em alojamentos

Alessandra Mendes - Hoje em Dia
04/11/2013 às 07:34.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:53
 (Renato Cobucci)

(Renato Cobucci)

Confinados em chalés de quarto e banheiro, sem direito a visita de parentes e vendo pertences deteriorarem dia após dia. A realidade poderia ser de pessoas sem casa própria, que dependem da boa vontade de terceiros. Mas é a situação de 18 famílias que batalharam para comprar um imóvel e, há dois anos e cinco meses, vivem um pesadelo. “Temos que andar muito para fazer as refeições em um restaurante e não conseguimos trazer nossos móveis porque não há espaço. Isso não é vida”, reclama a promoter Cláudia Maria de Sousa Marcolino.

Os problemas nem podem ser partilhados com os familiares. “Minha mãe veio do interior, mas não pôde entrar na minha ‘casa’. Meu pai morreu sem ter conhecido onde vivo”, diz o empresário André Gomes Ramalho, que mora em um chalé de dois cômodos com a mulher.

Dramas como esses não são exceções. Grande parte da responsabilidade nesses casos, segundo o presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Kênio de Souza Pereira, é da morosidade e da burocracia do Judiciário. “Tem juiz que tem medo de conceder liminar, decidir ou determinar algo. Essa posição sacrifica as famílias, a ponto de criar situações de tremenda injustiça contra quem já foi retirado do lar”.


Impasse

Após descobrirem problemas estruturais em um dos 23 prédios do Condomínio da Capela, em Justinópolis, Ribeirão das Neves, os moradores foram encaminhados para alojamentos, que deveriam ser temporários.

No local, porém, ficaram até o fim de semana passado, quando mudaram para imóveis em diferentes regiões da capital. Mais uma medida paliativa, já que não há previsão para um ponto final no caso.

“A construtora demorou dois anos para cumprir uma liminar que determinava a retirada dos moradores do prédio por causa do risco, constatado em laudo da Defesa Civil. Depois disso, começou uma batalha judicial”, diz o advogado dos moradores, Mário Lúcio de Souza Júnior, que entrou com uma ação de danos materiais e morais.

Apesar dos laudos e perícias feitos por ambas as partes, o imbróglio se arrasta e as famílias não sabem se voltarão para o apartamento pelo qual pagaram ou se terão o dinheiro de volta. “Desde que saí de casa, minha vida desmoronou. Meus filhos foram obrigados a morar fora e meu casamento acabou. Nem me alimento direito porque tive uma perna amputada e não consigo ir ao restaurante”, lamenta a cuidadora de idosos Joanina Clemência da Costa Neto, de 46 anos.


"No Brasil, o errado é quem está certo"

A supervisora de call center Rita Piumbini, de 53 anos, sabe muito bem como é viver tanto tempo fora de casa. Há dois anos, ela e os dois filhos tiveram que deixar o apartamento no Buritis, zona Oeste da capital. Passaram 47 dias com uma amiga até que a construtora foi obrigada, na Justiça, a custear o aluguel para as seis famílias do Edifício Vale dos Buritis.

“Desde então, o valor repassado (R$ 1,5 mil) é o mesmo. Tenho que completar o aluguel, pagar por um imóvel que não é meu”, conta. Atualmente, Rita mora a poucos metros do prédio que desabou em janeiro de 2012. Junto com o lar, vários sonhos da família foram destruídos.

"Planejava deixar de trabalhar e ter uma vida mais tranquila. Hoje, não tenho nada e não sei quando voltarei a ter”, desabafa a supervisora.


Inversão

Brechas judiciais possibilitam os recursos impetrados pela construtora do prédio que ruiu na rua Laura Soares Carneiro. Como no caso dos moradores do Condomínio da Capela, em Ribeirão das Neves, as famílias do Edifício Vale dos Buritis também não sabem quando o drama será definitivamente solucionado. A resposta está nas mãos da Justiça.

“A impressão que se tem é a de que, no Brasil, quem está errado é que está certo. Você comprou e pagou por algo, mas não tem garantias de que a lei está do seu lado”, afirma Rita.


Construtora contesta interdição

Em nota, a Construtora Tenda informou que o prédio no Condomínio da Capela não está interditado pela Defesa Civil, conforme ofício existente no processo.

De acordo com perícia realizada pela Justiça, alega, não há problemas estruturais no prédio, mas “situações pontuais advindas de falta de manutenção por parte do condomínio”.

Há cerca de 15 dias, houve acordo com decisão judicial e os moradores começaram a se mudar do alojamento. A companhia deposita um valor mensal para as famílias.

A construtora declarou ainda que não recebeu nova notificação da Justiça, seguindo, portanto, com a determinação anterior.

Já a Estrutura Engenharia, responsável pelo prédio no Buritis, negou que esteja “protelando” um desfecho para o caso.

Informou que tem direito de se defender na Justiça e que é “natural” que faça uma perícia para apurar responsabilidades e provar sua “ausência de culpa”.

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