Minas preserva som e história de órgãos tricentenários

Renato Fonseca - Hoje em Dia
30/03/2014 às 07:31.
Atualizado em 18/11/2021 às 01:50
 (Flávio Tavares - Hoje em Dia)

(Flávio Tavares - Hoje em Dia)

SÃO JOÃO DEL-REI E TIRADENTES – Minas abre a caixa de música, mostra as joias barrocas e eleva o tom do patrimônio cultural brasileiro. Dos sete órgãos do século 18 que ainda restam pelo país, quatro estão em pleno funcionamento e fazem parte da coleção das Gerais.   A beleza das formas esculpidas em madeira de cedro, jacarandá e pau-pereira pode ser vista em Mariana, na região Central; Diamantina, no Vale do Jequitinhonha; e São João del-Rei e Tiradentes, no Campo das Vertentes. O som dos instrumentos encanta fieis que acompanham as celebrações litúrgicas, moradores e visitantes.    As principais apresentações acontecem semanalmente na Catedral da Sé (Mariana) e na Matriz de Santo Antônio (Tiradentes). Reconhecida como uma das maiores especialistas do Brasil, a organista Elisa Freixo se divide entre as duas cidades.   Após concluir os estudos em São Paulo, ela viveu quatro anos na Europa. Lá, frequentou a Escola Superior de Música e Artes Cênicas de Hamburgo, na Alemanha.   Elisa Freixo sabe de cor e salteado não apenas os acordes como a história de cada instrumento.    Toda prosa, ela mostra detalhes da caixa em estilo rococó, as oito fileiras de tubos e as mais de 600 flautas de liga de estanho e chumbo do órgão guardado na principal igreja de Tiradentes. “Cada um tem particularidades, e o daqui se distingue pelas dimensões, adornos e nitidez das notas”, afirma.   Durante breve apresentação na semana passada, a organista despertou a atenção de turistas que estavam na igreja.  “Dentro de um templo como esse espera-se por uma música fúnebre. Mas quando ela começou a tocar, nos surpreendeu. Foi emocionante, vibrante”, disse a soteropolitana Aline Maria de Araújo Pinheiro, que carregava a filha Sofia, de 3 anos.   Mariana e São João   De valor inestimável para a arte sacra, a joia musical da Catedral da Sé de Mariana foi construída em 1752, na Alemanha. O instrumento chegou ao Brasil um ano depois, presente da coroa portuguesa ao primeiro bispo da cidade mineira. Em dezembro, completam-se 30 anos do último restauro. Hoje, vários concertos regulares e internacionais trazem a Minas renomados organistas do mundo inteiro.   Único instrumento que está fora de uma igreja, o órgão musical de São João del-Rei fica no Museu Regional, no centro histórico.    Segundo a diretora do acervo, Débora Cardoso, a recuperação do instrumento foi concluída em 2010. Mais de R$ 450 mil foram investidos. “É uma das principais atrações. Organeiros europeus foram contratados para fazer os reparos necessários, iniciados em 2008”.    Silêncio quebrado após mais de 70 anos em Diamantina   A vanguarda mineira no repertório desta história preservada tornou-se ainda mais absoluta com a reforma do órgão musical do século 18 de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha. Parada e calada há mais de sete décadas, a última nota dissonante dos tesouros do Estado foi abençoada ontem e tem concertos programados para hoje, a partir das 11h.   O minucioso trabalho de restauro durou seis anos e demandou R$ 870 mil, captados por meio da lei federal de incentivo à cultura.    Um ateliê improvisado foi instalado na Casa Chica da Silva, uma das principais edificações do período colonial mineiro, onde hoje está o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mais de 30 pessoas estiveram envolvidas no processo.   A maior parte das peças originais, datadas de 1787, foi recuperada, mas alguns tubos e o teclado foram refeitos na organaria Hermanos Desmottes, em Landete, Espanha. O serviço, totalmente artesanal, obedeceu critérios históricos. “Foi um trabalho muito interessante, pois tratava-se de um instrumento brasileiro que tinha aspectos diferentes dos europeus”, conta um dos responsáveis pela equipe técnica, o francês Frédéric Desmottes.   Radicado em Portugal, o coordenador do projeto de restauro, o organista brasileiro Marco Aurélio Brescia, lembra que o órgão instalado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo foi construído na cidade, e por um padre.   “Trata-se do mais antigo órgão fixo feito no país e ainda preservado. É uma obra do padre Manoel de Almeida e Silva, um organeiro autodidata”, diz Marco Brescia.   Nascida, criada e residente em Diamantina, a aposentada Geralda Augusta do Nascimento, de 83 anos, mora em frente à Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Ela se encantou com os ensaios dos últimos dias para afinar o instrumento. “Me fez lembrar de quando ainda era adolescente e ia à missa com minha mãe. Nos enche de orgulho ver o órgão restaurado”, diz a moradora.    Faltam incentivos para manter viva tradição   “Minas está na vanguarda da preservação. Porém, graças a iniciativas individuais. Não há um programa estadual e muito menos empenho por parte das igrejas. Além disso, mesmo com os órgãos prontos, poucas pessoas sabem tocar”.    A afirmação do organista Marco Brescia dá a dimensão da dificuldade de se realizar o restauro e não deixar os instrumentos mudos.   Palavras amparadas pela organista Elisa Freixo. Ela lembra que não há profissionais formados no país. “É preciso incentivo. Caso contrário, a história irá se perder”.   Um alento é o projeto que começa a ser desenvolvido em Diamantina sob a coordenação de Brescia. Seis pianistas serão treinados para tocar músicas litúrgicas. “Não vamos restaurar um instrumento sem finalidade no futuro. A cada seis meses, nos encontraremos para repassar conceitos básicos”, diz Marco Brescia.     

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