é Fogo

Minas registra mais incêndios florestais que o Pará, estado com o dobro do território

Luciane Amaral
lamaral@hojeemdia.com.br
31/07/2022 às 13:17.
Atualizado em 31/07/2022 às 13:18

Minas Gerais registrou, desde o início do ano, mais incêndios florestais que o Pará, estado com mais de 1,2 milhão de km² em seu território e um dos oito que integram a Amazônia Legal - área verde que representa um terço da reserva mundial de florestas.

No país, entre 1º janeiro e 20 julho deste ano, foram mais de 6 mil focos de queimadas nas áreas de Cerrado (4.252) e na Amazônia ( 2.023 ), superando as ocorrências do mesmo período de 2021, segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Minas está entre os cinco estados com o maior número de focos de queimadas detectadas pelos satélites do Instituto e é o único da região Sudeste com mais de 2 mil casos registrados desde o início do ano. 

E, no triste ranking do fogo em áreas verdes, Bahia, Pará, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo também aparecem entre os dez estados com maior quantidade de ocorrências de focos de incêndio, registrados de janeiro a julho.

Pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade de Brasília (UnB) e do Inpe usaram um conjunto de dados de áreas queimadas entre 2001 e 2019, para simular seu impacto futuro em cenários alternativos de política e clima. 

O estudo Determinants of impact of fire in the Brazilian biomes, publicado pela revista Frontiers in Forests and Global Change, investigou as causas dos incêndios, os impactos e as tendências, considerando fatores climáticos, uso da terra e desmatamento, nos biomas brasileiros: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Pampas.

Ubirajara Oliveira, pesquisador do CSR, explica que, no mapa do impacto do fogo no Brasil, o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia são mais atingidos por incêndios recorrentes, em vastas áreas e com chamas intensas, que alcançam altas temperaturas.

De acordo com o pesquisador, nas florestas do Pará, por exemplo, as queimadas estão associadas ao desmatamento ao longo da fronteira agrícola. “Depois de cortar as árvores na floresta, o fogo é usado para ‘limpar’ o terreno para rebrota de pastos, plantio de lavouras ou em conflitos de interesses entre as propriedades desmatadas e áreas de conservação", diz. 

Entrentanto, continua o cientista, as unidades de preservação (florestas) funcionam como barreiras para conter os incêndios de grande impacto. Já no Cerrado, como em Minas, afirma o biológo, os incêndios mais comuns são causados pelo homem e no período de seca, como agora.

Nesse bioma, os focos de maior impacto são mais frequentes em unidades de conservação. E estão associados à proximidade de regiões com expansão agropecuária, geralmente, em áreas desmatadas que são usadas como pasto ou lavoura.

"Os incêndios mais comuns são criminosos ou por ação de proprietários rurais, que ateiam fogo ao pasto. As chamas saem do controle, atingindo, inclusive, a sede da fazenda, trazendo um dano material muito grande”, explica Ubirajara.

O cientista alerta que as mudanças climáticas, com a emissão de gases, que deixam o tempo mais quente e mais seco, agravam muito as queimadas, impactando severamente  todos os biomas. E a expectativa é de que até setembro, com o longo período de estiagem, o número de incêndios deva aumentar significativamente e de forma preocupante.

O cerrado mineiro é alvo de incêndios criminosos e de proprietários rurais que colocam fogo no pasto ou em áreas de lavoura e chamas saem do controle (Ubirajara Oliveira / Divulgação)

O cerrado mineiro é alvo de incêndios criminosos e de proprietários rurais que colocam fogo no pasto ou em áreas de lavoura e chamas saem do controle (Ubirajara Oliveira / Divulgação)

De acordo com as análises dos últimos 20 anos feitas pelos pesquisadores, a recorrência das queimadas, além do prejuízo material, das ameaças à fauna, à flora e à saúde da população, inclui também a perda de patrimônio socioambiental e cultural, como as áreas de uso familiar ou coletivo e até sítios arqueológicos ainda desconhecidos.

O estudo revela ainda quen nas últimas duas décadas examinadas pelos pesquisadores, 34% do cerrado, 45% do pantanal e 9% da Amazônia pegaram fogo pelo menos uma vez.

E que o resultado é o comprometimento da capacidade de regeneração do bioma:

  • 23% de redução da resiliência da vegetação e da capacidade de realizar fotossíntese nas áreas queimadas na Amazônia;
  • 16% no Pantanal e
  • 9% no Cerrado - biomas que são atingidos por incêndios de maior impacto.

Esse panorama foi obtido a partir da comparação de áreas com vegetação semelhante que foram atingidas pelos incêndios com outras que não foram.

Projeção para 2050

Ubirajara Oliveira alerta ainda, que em 2050, no cenário mais otimista traçado a partir de modelos matemáticos que fizeram previsões com base na expansão agrícola e alterações climáticas, mais de 70% do pantanal sofrerão algum tipo de impacto com os incêndios. Na Amazônia e no Cerrado, o índice chegará a mais de 95% do território.

“Hoje, quando alguém coloca fogo em um lote ou propriedade rural, o incêndio rapidamente toma grandes proporções. A capacidade de controle da queima vai se tornando cada vez menor e podemos esperar resultados preocupantes”, ressalta o biólogo.

As projeções feitas a partir dos dados coletados por satélite revelam ainda que as áreas com incêndios de alto impacto aumentarão 5 vezes no cerrado, até 2050; duas vezes na Amazônia e 15% no Pantanal, implicando impactos severos na biodiversidade, na economia e nos gastos com combate ao fogo, afirma Oliveira.

Presente e futuro

Segundo Ubirajara, agora é preciso investir na educação das pessoas e alertá-las sobre as consequências para as gerações futuras. “O principal é explicar que o clima está mudando, que a estratégia de colocar fogo não tem mais o mesmo resultado." 

O biológo diz ainda que "é muito importante que a população realmente tenha consciência e entenda a gravidade da situação. E avalie melhor a época de colocar fogo em áreas de pasto ou lavoura: será que não dá para aguardar a primeira chuva, por exemplo?”, pondera.

Além disso, afirma o pesquisador da UFMG, é essencial o controle climático, com a redução de emissão de gases estufa. E também o investimento em políticas públicas mais permanentes e eficazes de prevenção e de fiscalização.

Se nada for feito rapidamente, situações críticas como recordes de calor e incêndios a que o planeta vem assistindo serão cada vez mais frequentes. "Houve incêndios terríveis na Europa, até na Inglaterra, onde não eram muito comuns. Aqui (no Brasil), os incêndios de alto impacto estão se tornando mais comuns. E a capacidade de recuperação cada vez menor”, finaliza.

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