
Sem expectativa de retornar ao próprio lar, uma centena de habitantes de Brumadinho está espalhada por hotéis, pousadas e albergues do município e da Grande BH. São exatos 108 desabrigados, conforme a Defesa Civil Estadual. Muitos perderam a casa carregada pelo mar de lama. Mas, também há casos de pessoas realocadas por viver em áreas que passaram a ser consideradas de risco e os que tiveram o acesso às residências bloqueado pelos rejeitos nas estradas.
Não bastasse a perda incalculável, a brusca mudança na pacata rotina após o desastre ainda provoca medo e ansiedade. Muitos saíram só com a roupa do corpo e temem por possíveis saques nos imóveis. Os poucos pertences que têm atualmente são fruto de doações e ninguém sabe como será o dia de amanhã.
É o caso de Márcia Lucélia Ribeiro de Queiroz, de 25 anos. Quando saiu para fazer uma tatuagem no Centro de Brumadinho, a moradora do povoado de Aranha nem imaginava que, quase duas semanas depois, não teria conseguido voltar para casa. A rodovia da região está fechada. O percurso, antes feito em alguns minutos de transporte público, agora leva pelo menos cinco horas com os desvios implantados.
Márcia se viu obrigada a procurar um abrigo com o marido Edivan Gomes Souza, de 23, e o amigo Diego Silva, de 28, que a acompanhavam. Com a ajuda da prefeitura, foram encaminhados para um hostel, custeado pela Vale. Sutiã, desodorante, calcinhas, creme de cabelo e demais peças de roupa e itens de higiene pessoal só foram possíveis graças à solidariedade de voluntários.
Muitos moradores atingidos saíram de casa só com a roupa do corpo. Os poucos pertences que têm atualmente foram doados por voluntários
O amplo quarto em que Márcia e Edivan dormiam foi substituído por um bem menor, com duas beliches compartilhadas pelo casal com o amigo. Uma caixa de papelão e uma mala espalhadas no chão do cômodo se transformaram em um armário.
Embora reforce que está sendo bem assistida na moradia provisória, a jovem não esconde a saudade da antiga residência. A liberdade comprometida incomoda, e muito. “Sinto falta da minha cama, das minhas roupas e, principalmente, da minha privacidade. Em casa podia cozinhar, limpar, assistir televisão. Agora estou há dias só olhando para a tela do celular”, conta.

Preocupação
Inquieto, o ajudante de jardinagem Bruno dos Santos Dutra, de 23 anos, abre e fecha a porta da pousada onde está hospedado, também no Centro de Brumadinho, pela terceira vez em pouco mais de dez minutos. Ele dá uma volta na rua e retorna com um recado para os pais: “quero ir embora, com quem preciso falar? Não aguento mais”.
A mãe dele, Zenaide Jesus dos Santos, de 58, tenta pôr panos quentes na situação: “meu filho, não tem jeito, a gente precisa esperar. E você tem que ficar com sua família, não sabemos quando vamos voltar”.
Eles são moradores da chamada zona quente do Córrego do Feijão. A horta de Zenaide com quiabo, mostarda, couve e cebola está abandonada há 13 dias, mas a mulher espera que as últimas chuvas tenham sido suficientes para molhar a terra e não deixar os legumes e as verduras, que são fonte de renda da família, morrerem.
A possibilidade de saques à casa vazia também tira o sono dos agricultores. No entanto, a maior preocupação de José Pereira Dutra, de 64 anos, marido de Zenaide, é com os quatro cachorros que ficaram na região da mineradora. “Outro dia andei seis horas até o Feijão para colocar ração para eles. Fico só pensando neles passando fome”, lamenta.
A Vale disponibilizou 14 hotéis aos desabrigados; unidades estão em Brumadinho e cidades da Grande BH

Prejuízos e temor
A vontade de voltar para casa e o temor de uma nova tragédia dividem a opinião e os sentimentos da comunidade de Córrego do Feijão. Apesar do apego com o local, o povoado passou a trazer dolorosas lembranças a muitos moradores. O aposentado Antônio Acácio Faria, de 50 anos, mora em um sítio na região desde 2015, quando se divorciou.
Com o dinheiro da aposentadoria, comprou o pedacinho de terra com vista para a mata e uma lagoa. Entre os planos para este ano estava a construção de uma piscina para que os filhos pudessem se divertir quando fossem visitá-lo. “Tinha uma vista linda lá de casa, de frente para as montanhas. Agora só vejo lama. Não sei nem se quero voltar para lá, parece uma cidade fantasma”, lembra.
A mata a 200 metros da casa de Antônio foi coberta pelo barro e, além do mau cheiro e da memória constante de um desastre que tirou a vida de pelo menos 134 pessoas, a desvalorização do imóvel é outro prejuízo contabilizado. Nas contas dele, a casa deve custar um terço dos R$ 150 mil investidos. “Do jeito que está quem vai querer comprar?”.
Enquanto a residência segue interditada, Antônio vive em um hotel na região Oeste de Belo Horizonte. A Vale está financiando a hospedagem dele e dos outros 107 desabrigados, que têm refeições e lavanderia assegurados.
Procedimentos para a entrega do chamado “apoio financeiro humanitário” serão divulgados na próxima semana, diz a Vale. Segundo a empresa, o apoio é uma forma de “minimizar possíveis incertezas dos atingidos” e não se trata de indenização
Resposta
A mineradora informou ter disponibilizado 1.178 acomodações em 14 hotéis e pousadas, e que alugou 27 casas. Dessas, seis estão ocupadas, diz a Vale. Além disso, a empresa afirmou que vai doar R$ 50 mil às famílias que vivem ou mantinham atividades rurais e comerciais na chamada Zona da Autossalvamento (ZAS). Entretanto, a empresa não deu informações sobre qual seria essa área nem quantos residiam nela. Aos que não viviam nesse raio, a doação será de R$ 15 mil.