Lembranças e traumas

Moradores de Bento dizem que dor e a visão dos escombros ainda estão nítidas

'É como se estivesse tudo acontecendo agora', diz Mônica Santos, que morava no distrito na época da tragédia

Do HOJE EM DIA*
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Publicado em 05/11/2025 às 08:06.Atualizado em 05/11/2025 às 11:02.
Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Dez anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, na região Central de Minas, a tragédia que devastou o distrito de Bento Rodrigues e outras comunidades do Estado permanece uma ferida aberta na memória dos sobreviventes. A auxiliar em um consultório odontológico, Mônica Santos, que na época tinha 30 anos e morava em Bento Rodrigues, é uma dessas pessoas cuja vida foi irrevogavelmente alterada em 5 de novembro de 2015.

Naquele dia, Mônica saiu de casa perto das 6h da manhã para ir ao trabalho, um trajeto que exigia sair cedo para cumprir o horário. Ela não sabia que só voltaria a ver sua casa 24 horas depois, já completamente coberta pela lama, e que, uma década mais tarde, ainda estaria na luta por justiça e reparação.

Mesmo com o passar dos anos, a dor e a visão dos escombros se mantêm vívidas em sua lembrança. “É como se estivesse tudo acontecendo agora”, disse a líder comunitária. Atualmente, Mônica Santos está desempregada.

Casa coberta por lama

Mônica recorda o momento em que a ficha caiu: o aviso de uma prima naquela tarde. Desesperada, ela buscou a mãe no trabalho e tentou seguir em direção à sua casa. Passou a tarde e a madrugada na estrada. Apenas ao amanhecer, chegando a um ponto mais alto, conseguiu enxergar o que restava do distrito e da própria residência. “Foi nesse momento que a ficha caiu. Eu não tinha mais nada”, relembra.

O rompimento da barragem do Fundão, operada pela empresa Samarco, liberou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. O desastre resultou na morte de 19 pessoas e deixou mais de 600 desabrigadas. Além de Bento Rodrigues, outras comunidades foram atingidas pela onda de lama, como Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Pedras, Águas Claras e Campinas.

Amigos perdidos

Mônica conta morava apenas com a mãe. Segundo ela, a empresa sempre deixou muito claro que a comunidade poderia dormir tranquilamente, já que a barragem era monitorada 24 horas por dia. Mônica lamenta que, no desastre, tenha perdido cinco amigos muito próximos. 

BENTO, OBRA, REASSENTAMENTO, RENOVA, RODRIGUES

Atualmente, ela reside no reassentamento da comunidade de Novo Bento Rodrigues, entregue pela Samarco. Fica a cerca de 13 quilômetros da antiga comunidade. “Mas a nossa casa ainda está cheia de problemas. A gente não pode falar que foi entregue 100%. Uma vez que ainda tem casa sendo construída e ainda tem morador desabrigado que nem projeto de casa tem”. 

A líder comunitária diz que é preciso lutar por justiça. “Enquanto eu tiver força, vou lutar para fazer com que as pessoas sejam de fato indenizadas e restituídas”. Ela relata que a casa entregue pela Samarco não está ainda no nome dos desabrigados. 

A principal esperança dela é ver os conterrâneos reassentados em uma casa, que todas as vítimas sejam indenizadas e que haja responsabilização dos envolvidos. “Se tivesse acontecido a punição, não teria ocorrido a tragédia de Brumadinho (em janeiro de 2019 e que deixou 272 mortos).

"Projetos antidemocráticos"

Para Márcio Zonta, integrante da direção nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, o desastre é um reflexo de como as decisões minerárias não estão ligadas à população.

“São projetos antidemocráticos em que as empresas não levam em consideração as organizações e populações”, avaliou. Ele entende que não há, em geral, um nível de reparação mínimo ao sofrimento das pessoas e que não existe um projeto nacional de mineração para o Brasil. 

O Brasil tem 916 barragens, sendo que 74 delas teriam maior risco de colapso e 91 estão em situação de alerta. O ativista entende que desastres como esse ainda podem se repetir, particularmente em Minas Gerais (onde há 31 barragens). “É onde a Vale iniciou o que ela chama de Sistema Sul de Mineração. 

O Sistema Norte está na Amazônia e o Sistema Sul é iniciado em Itabira”. Zonta pondera que os episódios de Mariana e Brumadinho também representam o colapso do sistema sul de mineração da Vale. 

Compesação

Para a reportagem, a empresa informou que, desde 2015, foram destinados R$ 68,4 bilhões para as ações de reparação e compensação. Nesse valor, estão R$ 32,1 bilhões pagos em 735 mil acordos de indenização individual. 

A empresa defende que esses recursos “têm transformado a realidade econômica da bacia, estimulando o comércio, fortalecendo cadeias produtivas e gerando empregos”.

*Com informações da Agência Brasil

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