Moradores de Bento dizem que dor e a visão dos escombros ainda estão nítidas
'É como se estivesse tudo acontecendo agora', diz Mônica Santos, que morava no distrito na época da tragédia
Dez anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, na região Central de Minas, a tragédia que devastou o distrito de Bento Rodrigues e outras comunidades do Estado permanece uma ferida aberta na memória dos sobreviventes. A auxiliar em um consultório odontológico, Mônica Santos, que na época tinha 30 anos e morava em Bento Rodrigues, é uma dessas pessoas cuja vida foi irrevogavelmente alterada em 5 de novembro de 2015.
Naquele dia, Mônica saiu de casa perto das 6h da manhã para ir ao trabalho, um trajeto que exigia sair cedo para cumprir o horário. Ela não sabia que só voltaria a ver sua casa 24 horas depois, já completamente coberta pela lama, e que, uma década mais tarde, ainda estaria na luta por justiça e reparação.
Mesmo com o passar dos anos, a dor e a visão dos escombros se mantêm vívidas em sua lembrança. “É como se estivesse tudo acontecendo agora”, disse a líder comunitária. Atualmente, Mônica Santos está desempregada.
Casa coberta por lama
Mônica recorda o momento em que a ficha caiu: o aviso de uma prima naquela tarde. Desesperada, ela buscou a mãe no trabalho e tentou seguir em direção à sua casa. Passou a tarde e a madrugada na estrada. Apenas ao amanhecer, chegando a um ponto mais alto, conseguiu enxergar o que restava do distrito e da própria residência. “Foi nesse momento que a ficha caiu. Eu não tinha mais nada”, relembra.
O rompimento da barragem do Fundão, operada pela empresa Samarco, liberou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. O desastre resultou na morte de 19 pessoas e deixou mais de 600 desabrigadas. Além de Bento Rodrigues, outras comunidades foram atingidas pela onda de lama, como Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Pedras, Águas Claras e Campinas.
Amigos perdidos
Mônica conta morava apenas com a mãe. Segundo ela, a empresa sempre deixou muito claro que a comunidade poderia dormir tranquilamente, já que a barragem era monitorada 24 horas por dia. Mônica lamenta que, no desastre, tenha perdido cinco amigos muito próximos.
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Atualmente, ela reside no reassentamento da comunidade de Novo Bento Rodrigues, entregue pela Samarco. Fica a cerca de 13 quilômetros da antiga comunidade. “Mas a nossa casa ainda está cheia de problemas. A gente não pode falar que foi entregue 100%. Uma vez que ainda tem casa sendo construída e ainda tem morador desabrigado que nem projeto de casa tem”.
A líder comunitária diz que é preciso lutar por justiça. “Enquanto eu tiver força, vou lutar para fazer com que as pessoas sejam de fato indenizadas e restituídas”. Ela relata que a casa entregue pela Samarco não está ainda no nome dos desabrigados.
A principal esperança dela é ver os conterrâneos reassentados em uma casa, que todas as vítimas sejam indenizadas e que haja responsabilização dos envolvidos. “Se tivesse acontecido a punição, não teria ocorrido a tragédia de Brumadinho (em janeiro de 2019 e que deixou 272 mortos).
"Projetos antidemocráticos"
Para Márcio Zonta, integrante da direção nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, o desastre é um reflexo de como as decisões minerárias não estão ligadas à população.
“São projetos antidemocráticos em que as empresas não levam em consideração as organizações e populações”, avaliou. Ele entende que não há, em geral, um nível de reparação mínimo ao sofrimento das pessoas e que não existe um projeto nacional de mineração para o Brasil.
O Brasil tem 916 barragens, sendo que 74 delas teriam maior risco de colapso e 91 estão em situação de alerta. O ativista entende que desastres como esse ainda podem se repetir, particularmente em Minas Gerais (onde há 31 barragens). “É onde a Vale iniciou o que ela chama de Sistema Sul de Mineração.
O Sistema Norte está na Amazônia e o Sistema Sul é iniciado em Itabira”. Zonta pondera que os episódios de Mariana e Brumadinho também representam o colapso do sistema sul de mineração da Vale.
Compesação
Para a reportagem, a empresa informou que, desde 2015, foram destinados R$ 68,4 bilhões para as ações de reparação e compensação. Nesse valor, estão R$ 32,1 bilhões pagos em 735 mil acordos de indenização individual.
A empresa defende que esses recursos “têm transformado a realidade econômica da bacia, estimulando o comércio, fortalecendo cadeias produtivas e gerando empregos”.
*Com informações da Agência Brasil