A casa não é mais a mesma. Os cômodos não estão marcados pelas experiências, assim com as paredes não trazem recordações de dias felizes. Muitos deles vividos nesse exato período do ano, quando a família se reunia para celebrar e reforçar os laços. Não fosse o calendário perdido em um canto da sala, nada faria menção à proximidade do Natal, data tão apreciada por todos. Mas os moradores de Bento Rodrigues, distrito de Mariana, não são mais os mesmos.
Os olhares perdidos das crianças e as narrativas saudosistas dos adultos, de vez em quando atropeladas pela emoção, demonstram o óbvio. Nada mais será como antes depois da tragédia provocada pelo rompimento da barragem da Samarco. A dona de casa Fátima Sebastiana dos Santos, de 51 anos, sente diariamente o peso dessa constatação. O desafio não é tentar reconstruir o sentido do Natal, mas buscar meios para a reconstrução de toda a vida.
“O Natal era marcado pela reunião de todos os filhos e parentes na minha casa. Tinha comida boa, encontros e muitos enfeites. Aqui não tem clima para isso. Não me sinto em casa, não tem clima para celebração”, lamenta Fátima. Ela divide um apartamento no bairro Dom Oscar, em Mariana, com a mãe, o marido e três filhos.
Criada desde os 13 anos em Bento Rodrigues, que foi devastado, ela tenta de alguma maneira recriar o ambiente familiar ao qual estava acostumada. A saída, foi lutar para que os parentes fiquem próximos, como sempre estiveram.
Assim como todos os outros moradores de Bento Rodrigues e do vizinho distrito de Paracatu de Baixo, Fátima e os familiares foram realocados em casas e hotéis de Mariana enquanto se discute uma solução definitiva para os desabrigados. “O que pedimos foi que todos ficassem juntos, é assim que vivemos e queremos viver”, diz.
Mas o prédio onde moram filhos e outros parentes dela não se assemelha em nada ao distrito pacato, onde era costume deixar portas e portões abertos. “Quero minha vida de volta. Minha casa, minha horta, meus vizinhos, tudo”, reclama dona Efigênia Mansueta Fernandes, de 80 anos, mãe de Fátima.
Sonho
Mesmo perto dos parentes, ela não consegue se acostumar à nova rotina imposta pelo desastre. O clima festivo, que invariavelmente acaba por tomar conta dos marianenses, não é capaz de aplacar a dor que ainda acomete as vítimas. “Eu queria dormir a acordar e tudo ter voltado ao que era antes. Pensar que foi tudo um pesadelo, sabe?”, sonha alto dona Efigênia.
Sonho que o neto dela, Rodrigo dos Santos, de 24 anos, outro morador do prédio amarelo compartilhado pela família, terá que reconstruir literalmente tijolo a tijolo. No dia do rompimento da barragem, ele tinha acabado de comprar uma casa em Bento, onde a família toda morava. A residência foi completamente destruída pela lama.
“Sei que não sou mais criança, mas, se pudesse, pediria a Papai Noel nossa vida de volta. Tudo como era antes, não precisa de mais nada”, diz o rapaz. “Mas, como podem ver, não acreditamos mais nisso. Infelizmente, todos nós mudamos”.