Moradores ribeirinhos de Brumadinho fazem as malas e planejam 'fuga'

Raul Mariano
27/01/2019 às 23:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:15
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Depois do horror, o medo. O rompimento da barragem Mina do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, que já causou a morte de 58 pessoas, não deixou apenas centenas de famílias de luto, mas outras dezenas em alerta. Quem vive às margens do rio Paraopeba teme por outra tragédia e não quer voltar para casa. Já os que ficaram nos imóveis estocam os pertences e têm até plano de fuga, em caso de novo desastre.

Durante a madrugada de ontem, a sirene que não havia soado na última sexta-feira acordou de forma abrupta os moradores do Centro da cidade. O pesadelo provocado pela possibilidade de mais uma estrutura ruir tirou, literalmente, o sono de quem já tinha visto a região ser tomada pela lama. A comunidade foi obrigada a deixar as casas, mas, horas depois, o risco foi descartado. Lucas Prates / N/A

PRECAUÇÃO – Zélia, o filho e uma sobrinha foram para a casa de uma parente em um ponto mais alto da cidade

A liberação, no entanto, não é sinônimo de paz. O operador de máquinas Alecxandro Lopes, de 39 anos, que até então vivia da pesca, saiu de casa com a mulher e os três filhos, segundos depois do alarme. Todos apenas com a roupa do corpo. Assustada, a família tem dormido junta, em um único colchão, no chão da sala da residência, que fica a cinco metros do Paraopeba. A escolha é feita por precaução, para que todos possam escapar juntos, diante de uma emergência. 

Não é a primeira vez que Alecxandro e a família são prejudicados por uma tragédia de grandes proporções. Há três anos, quando a Barragem de Fundão se rompeu, em Mariana, na região Central, eles moravam em Governador Valadares, Leste de Minas, e viram o trabalho com a pesca ser totalmente comprometido, após o rio Doce ser contaminado por rejeitos da mineração. “Agora, sou vítima do mesmo problema. O que vamos fazer agora?”, questiona. Lucas Prates / N/A

DESGOSTO COMPLETO - Felipe Antônio Moreira, de 19 anos, amarga o sentimento de perda diante do desastre que matou amigos e conhecidos dele

A confiança em permanecer no imóvel está abalada. Ontem, todos fizeram as malas, mas eles ainda não têm para onde ir. “Não podemos ignorar um risco desse tamanho. É angustiante viver assim”, acrescenta Alecxandro.

A poucos metros dali, o artista plástico Agnaldo Gonçalves, de 47 anos, passou a madrugada tirando tudo que tem e levando para o alto da laje do imóvel. O material foi embrulhado com uma lona preta e amarrado com uma corda. “Desde as cinco horas da manhã estamos andando para lá e para cá, inquietos com essa situação”, conta. “Perdemos a paz para viver”, lamenta.Lucas Prates / N/A

SEM PAZ – Agnaldo estocou os pertences em uma lona na laje de casa

 Insegurança

Sobre a ponte que corta o Paraopeba, moradores observavam com olhar entristecido o aspecto marrom do curso d´água. A vigília também guardava a apreensão de quem temia por uma cheia instantânea.

A dona de casa Zélia da Consolação Alves, de 51 anos, lamentava, ao lado do filho e da sobrinha, o sepultamento do rio. Preocupada, a mulher não esconde o medo de retornar ao lar depois de três dias dormindo na casa da irmã, que mora em um bairro mais alto. “Já vi enchentes destruindo Brumadinho três vezes. Não dá para ter calma nessas horas”, comenta. 

Até agora, 19 corpos foram identificados entre os 58 mortos; há 305 desaparecidos 1 92 pessoas foram resgatadas, segundo o último balanço oficial


 

Trauma
Já para quem viu o próprio bairro desaparecer do mapa, a sensação é de “desgosto completo”. É assim que o servente de pedreiro Felipe Antônio Moreira, de 19 anos, explica o sentimento de perda diante do desastre. 

Ele não teve a casa levada pela lama por sorte, mas assistiu o lar de vizinhos e conhecidos sumir em meio à avalanche. “Nunca algo tão grave na minha vida. É um tristeza que não vai passar tão cedo”, diz.

Com olhar aéreo, o jovem fala pausadamente, como se ainda não acreditasse na dimensão do ocorrido. “Acabou, já era”.
 

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