Mutirão dá chance a mineiros de ter filiação completa e documentos

Igor Patrick
ipsilva@hojeemdia.com.br
13/09/2016 às 20:25.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:49
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Quando o estudante Wanderson Montanari morreu afogado, em setembro de 2003, a namorada Karla Gonçalves estava no quinto mês de gravidez. Por causa disso, o filho Victor Gonçalves, hoje com 12 anos, não pode ter o nome do pai na certidão de nascimento. A situação era difícil para a mãe. “Estava com o coração ferido e me sentindo abandonada. Ter o filho com nome de pai desconhecido foi angustiante”, conta.

No ano passado, o garoto se recusou a tirar a carteira de identidade. Disse que só o faria quando tivesse o nome de Wanderson no documento. Foi quando Karla conheceu o mutirão “Direito a Ter Pai”, promovido pela Defensoria Pública de Minas Gerais. A iniciativa surgiu em 2011 em Uberlândia, no Triângulo, e chegou à capital mineira no ano seguinte. Com os documentos pessoais e a indicação de onde vive o suposto pai, qualquer pessoa pode ter acesso ao serviço, que disponibiliza exames de DNA gratuitos e assistência jurídica para dar entrada na documentação. Neste ano, a ação acontece em 7 de outubro. As inscrições já estão abertas.

Foi a partir da iniciativa da Defensoria que Victor começou a realizar o sonho dele. Com o material genético colhido de um tio paterno, Johny Wendel Montanari, e da avó, Ângela Montanari, ele passou a ter o nome do pai na certidão de nascimento. Para Johny, essa mudança restaurou a autoestima do garoto.

Desde 2011 já foram 26.788 atendimentos, 4.629 exames de DNA e 1.219 reconhecimentos espontâneos no Estado

“Fiz com o maior gosto. Eu ficava triste porque o Victor não tinha o sobrenome Montanari, assim como os meus filhos têm. Ele ficou muito empolgado em ter o sobrenome parecido com o do primo, e a ação ajudou a reforçar que o fato de o pai dele ter morrido não muda a existência da família paterna”, comenta. 

São essas conquistas por meio do mutirão destacadas pela coordenadora regional de Família e Sucessões da Defensoria Pública, Michelle Lopes Glaeser. “É um trabalho muito importante, que ao longo dos anos vem promovendo não só o reconhecimento, mas a aproximação do menor e a reconstrução do vínculo afetivo com o pai e os familiares paternos”, avalia a defensora. Ela reforça que para participar da ação é preciso se cadastrar até 30 de setembro.Lucas PratesLAÇOS FAMILIARES – Euler e Peterson se falam toda semana, por telefone, e saem juntos para pescar; pai e filho sabem que não podem recuperar o tempo perdido, mas estão aproveitando cada momentodepois do reencontro

Reconhecimento

Embora menos comum, a iniciativa também dá ao pai a oportunidade de reconhecer o filho sem a necessidade do exame de DNA. Nesse caso, um termo é assinado na hora e os documentos novos ficam prontos em 30 dias.

Foi o que aconteceu com Peterson Barbosa, de 28 anos, e Euler Barbosa, o pai dele. Quando teve Peterson, a mãe não contou ao homem, que só conheceu o filho quando a criança tinha 7 anos. O contato durou até os 14 anos, quando o menino se mudou do bairro São Tomaz, na região Norte de Belo Horizonte, para o Barreiro. Euler nunca mais viu o garoto até ser chamado para participar do mutirão.

“Recebi a carta e quando o vi de novo, no ano passado, depois de 13 anos, foi muita felicidade. Nem fiz o exame. Sempre soube que era meu”, conta o pai.

Peterson, que já tem dois filhos, apresentou os netos a ele e retomou o contato. Os dois conversam toda semana por telefone e juntos pescam todo mês. “O que passou a gente não recupera, mas a partir de agora queremos compensar esse tempo perdido. O mutirão mudou completamente a relação com meu pai”, diz o rapaz.

Na edição deste ano do mutirão participam 40 municípios mineiros

Registro garante ao filho pensão alimentícia e herança

 Além da importância do reconhecimento de paternidade nos documentos pessoais, o registro civil pode dar acesso a outros direitos. Segundo o coordenador de direito da família da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rachid Silva, a reivindicação de pensão alimentícia só pode ser atribuída a quem tem o nome do pai. “Se não houver vínculo jurídico, não tem como atribuir ao genitor nenhum tipo de responsabilidade. Nós temos casos famosos como o de Sandra Regina, que morreu sem ser reconhecida por Pelé e nunca teve direito a nada”, lembra.

O Código Civil também garante às crianças o direito à assistência paterno-filial, incumbindo aos pais a obrigação de resguardar o acesso à educação, afeto, saúde, orientação religiosa. Por fim, há o direito à herança. “Mesmo que o filho seja biológico e reconhecido verbal e afetivamente pelo pai, ele só vai receber os bens deixados pelo falecido se houver a comprovação jurídica, que é o documento de identificação com o registro”.

Participação no mutirão é voluntária e suposto pai pode se recusar a ir no dia do exame; nesse caso, as mães devem ajuizar ação judicial, orientam especialistas

Obrigação

Como a participação do mutirão da Defensoria Pública é voluntária, pais que se recusarem a fazer o DNA podem não ir ao local. Nesses casos, Rachid recomenda que a mãe procure a Justiça. Desde 1992, a legislação permite que ela indique no cartório quem é o possível pai da criança. Chamado administrativamente para reconhecer o filho, quem não comparecer em 30 dias fica sujeito a uma ação impetrada pelo Ministério Público e é intimado a realizar um teste de DNA.

“Caso se negue a fazer o exame, o Código Civil dá direito à presunção da prova. O juiz pode analisar testemunhos, além de documentos que indiquem a existência de relação entre a mãe e o pai”, diz o advogado.

Indenização

Embora não seja lei, Rachid alerta por uma jurisprudência que tem afetado o direito familiar nos últimos anos: o abandono afetivo. “Mesmo assistindo materialmente o filho registrado, existem pais que se negam à convivência e os abandonam sentimentalmente. Os pedidos de indenização estão aumentando nesse sentido”.

Em junho, um estudante de Brasília recebeu R$ 50 mil em danos morais por abandono. “Como é algo novo e polêmico no ordenamento jurídico, as ações têm sido julgadas caso a caso, mas o pai ou a mãe que se recusa a registrar e a conviver com a criança pode estar sujeito a essa penalidade”, avalia Rachid.

Inscrições

Quem quiser participar do mutirão tem até o próximo dia 30 de setembro para de cadastrar. O atendimento nos postos destacados para o serviço vai das 12h às 17h e é gratuito. Os exames de DNA e os reconhecimentos espontâneos de paternidade serão realizados em 7 de outubro, das 8h às 17h.

Confira os endereços para cadastramento em Belo Horizonte e na região metropolitana:

Belo Horizonte: Rua Bernardo Guimarães, 2.640, Santo Agostinho – (31) 2522-8615

Betim: Rua Inspetor Jayme Caldeira, 835, Parque Brasileia – (31) 3531-2374

Contagem: Av. João de Deus Costa, 338, Centro – (31) 3390-2436/2466

Ibirité: Rua Hilário Ferreira de Freitas, 118 – (31) 3533-0289

Igarapé: Rua Manoel Franco Amaral, 450, Centro – (31) 3522-0811

Jaboticatubas: Avenida Benedito Valadares, 52, Centro – (31) 3683-1289

Nova Lima: Rua Pereira de Freitas, 84, salas 201 e 203, Centro – (31) 3581-2318

Pedro Leopoldo: Rua São Sebastião, 227, Centro – (31) 3662-9964

Santa Luzia: Avenida Célia Monteiro de Barros Orzil, 300 (Fórum novo) – (31) 3164-8080

Vespasiano: Rua Nazinha Conrado, 31, Centro – (31) 3109-5363

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