No aconchego do lar: parto em casa ganha espaço, mas é condenado por médicos

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
16/06/2012 às 16:27.
Atualizado em 21/11/2021 às 22:54
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

“Se eu pudesse resumir essa experiência, usaria uma palavra: simplicidade”. É assim que a enfermeira Renata Lara Guimarães, de 32 anos, define o parto da filha, em casa, há 29 dias. Luísa chegou ao mundo pesando 4,420 quilos e medindo 54 centímetros. Nasceu em uma banheira inflável, no banheiro social da casa onde a mãe vive, há quase seis anos, com o marido Wagner e o filho Matheus, de 3.

O parto domiciliar é uma prática cada vez mais comum no Brasil. De acordo com o Sistema Nacional de Nascidos Vivos da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, desde 1º de janeiro deste ano, 14 dos 13.821 partos realizados na capital aconteceram em casa. Entretanto, o procedimento, que substitui o auxílio médico pela assistência de enfermeiras obstetras ou obstetrizes, divide opiniões.

Quem ouve Renata contar, em detalhes, um dos instantes mais sublimes que já viveu não consegue compreender o motivo da polêmica. Foi no aconchego do lar, em um ambiente delicadamente planejado e preparado para aquele momento, que a filha nasceu.

“Passava da meia-noite quando senti a bolsa romper. Na hora, tive medo e fiquei insegura, mas, com a chegada das enfermeiras, me tranquilizei. Luísa nasceu às 6h15, dentro de casa. Na penumbra, na posição que desejei, com a música que escolhi”, conta. “Era o meu momento. Voltei-me para a essência do meu corpo, da mulher dona de si mesma e responsável pelo filho”, detalha.

A enfermeira obstetra Míriam Rego de Castro, de 46 anos, que participou do nascimento, apoia que a mulher faça as próprias escolhas, mas pondera que a decisão deve ser criteriosa.

“Não sou a favor da propaganda, como se esse tipo de procedimento fosse a melhor opção. É a ideal para mulheres que se identificam com esse processo, mas o critério, para nós, vai além do baixo risco para mãe e filho. É preciso avaliar uma série de fatores, como a questão emocional e física da gestante e a relação dela com o parceiro”.

O que Renata sentiu é, às vezes, difícil de explicar, mas a cumplicidade entre mãe e filha e o brilho nos olhos dão a dimensão exata do que foi aquela madrugada. Quase seis horas em trabalho de parto, um “incômodo” – como ela chama a dor que sentiu –, mas a certeza de que o prazer, no fim, seria maior.

“O modelo médico rouba da gente a oportunidade da escolha. Sempre achei bacanas os métodos não farmacológicos de alívio da dor, mas não tinha tido a verdadeira sensação de parir”, afirma. O primogênito, Matheus, nasceu por via vaginal, em um hospital.

Hoje, pelo menos cem mães que deram à luz em casa e pessoas que apoiam a liberdade das mulheres vão às ruas de BH levantar uma bandeira em comum. A “Marcha do Parto em Casa”, organizada por meio de redes sociais, sai em defesa do direito de escolha da gestante e da opção de se fazer o parto em casa ou no hospital. A concentração será na Igreja São Francisco de Assis, na Pampulha, a partir das 12h30.

A mobilização se repete em 21 cidades do país. A polêmica sobre o parto domiciliar ganhou força após o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro pedir à entidade paulista a punição do obstetra Jorge Francisco Kuhn. O médico afirmou, em entrevista a uma emissora de TV, que “o parto não é um procedimento cirúrgico, mas um ato natural”.

Obstetras enxergam ‘retrocesso’

Especialistas contrários ao parto domiciliar o definem como um “retrocesso”. O presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais
(CRMMG),João Batista Gomes Soares, vai além. Para ele, a prática é uma regressão, algo “inconcebível” no século XXI. 

“Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o parto domiciliar é um risco, mas que a paciente tem o direito de assumi-lo. No entanto, apesar de a opção ser pessoal, na minha opinião é uma regressão no tempo. Se você tem uma estrutura hospitalar, com pessoas treinadas, aptas para resolver complicações, qual a razão para fazer o contrário?”, questiona.

Ele ressalta ainda que,  em casos de intercorrência, como pressão alta da mãe e falta de oxigênio para o bebê, durante o nascimento oulogo após,asoluçãoéúnica: transferir mãe e criança para um hospital.

“Nessa situação, o tempo é algo muito precioso. Pode ser que no caminho entre a casa e o hospital aconteça algo muito mais grave”, pontua o obstetra. “O médico que quiser realizar o procedimento tem essa possibilidade, mas deverá assumir todas as consequências de seus atos”. 

O diretor de Defesa Profissional da Associação dos Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Carlos Henrique Mascarenhas Silva, reforça a importância da segurança durante o nascimento. 

Segundo ele, antes de se pensar no tipo de parto, é fundamental que tanto médicos quanto a sociedade tenham em mente a importância e a necessidade de se realizar um procedimento 100% seguro. 

“O parto, independentemente da via (cesariano ou normal), tem que ser seguro. Nós, enquanto entidade médica, defendemos que ele aconteça em condições adequadas para a mãe e a criança. Só que precisamos também nos beneficiar do avanço tecnológico da medicina. Trazer o parto para o ambiente hospitalar foi um ganho, e levá-lo para casa é um atraso”, afirma. 

Em casos de intercorrência, a solução é transferir mãe e criança para um hospital 
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