Presença de negros avança nas instituições públicas, mas ainda há gargalos

Lucas Eduardo Soares e Renata Evangelista
13/11/2019 às 21:12.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:41
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

A presença de estudantes pretos e pardos na UFMG teve salto de 80% em uma década. Se, em 2008, eles eram apenas 27%, em 2018 representavam 49%. As estatísticas da maior Federal de Minas seguem uma tendência nacional. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no ano passado, pela primeira vez, os negros foram maioria nas instituições públicas. Apesar do avanço – atribuído principalmente às cotas – o número poderia ser melhor.

Para os próprios alunos e especialistas, as desigualdades social e racial ainda são altas no país. Além do preconceito, denunciado pelos estudantes, uma minoria cursa graduações mais concorridas, como Medicina, Direito e Engenharia.

Neste seleto grupo está Afonso Henrique Gomes, de 22 anos, um dos poucos negros na turma de Engenharia Elétrica. Em meio aos desafios, diz ele, a situação vem mudando. “Estamos ocupando um espaço que é nosso por direito. Não tem que ter discriminação por cor, raça ou orientação sexual”, ressalta.Maurício Vieira

“Entrei por meio das cotas. Sou integrante do Centro de Convivência Negra (CCN) da UFMG e tenho notado aumento dos negros na instituição. Percebo, também, que ainda há um racismo institucional. Aqui, na CCN, já vi vários casos escancarados. A universidade agora está aberta para novos conhecimentos. Como Gilberto Gil falou, a política de cotas foi um meio que os pobres e favelas encontraram para compartilharem seus saberes com a universidade” (Matheus Alves Magalhães, de 20 anos, aluno do 5º período de Física)

Maior

A desigualdade é maior entre os mais jovens, conforme o relatório divulgado pelo IBGE. Do total de brancos, de 18 a 24 anos, 78% estão matriculados em faculdades. Já os negros, da mesma faixa etária, representam 55,6%.

“Sou o primeiro negro da minha família a fazer faculdade. Não entrei na UFMG por meio das cotas, mas acredito que ela tenha ajudado a diminuir a desigualdade. O outro sistema de vestibular era muito opressor e não dava oportunidades para todos. Já sofri preconceitos na universidade. Notei que os professores, muitas vezes, não sabem lidar com as diferenças porque, por muito tempo, a universidade foi majoritariamente branca”(Felipe Antônio Oliveira, de 24 anos, aluno do 10º período de Teatro)

Caso de Nina de Castro, de 28 anos, que ingressou na graduação em Biologia da UFMG em 2010. Ela fez mestrado e, agora, desenvolve o doutorado. “Na minha classe, de 50 alunos, quatro eram negros. Quando entrei, não me sentia pertencente. Tive que adequar o jeito de falar, a maneira de me vestir”, diz ela, que concluiu o ensino médio em escola pública. “Hoje, vejo cabelos crespos, tranças, estilos diferentes”, afirma a pesquisadora.

No país, 50,3% dos estudantes de universidades públicas são negros; atualmente, 55,8% da população se declara preto ou pardo. 29% de pretos e pardos estudaram menos que 11 anos ou não frequentaram escola, segundo dados do IBGE; entre brancos, o índice é de 17,4%

Caminhos

Presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Gilberto Silva atribuiu o aumento do número de negros nas instituições públicas às ações afirmativas, que “deu aos menos favorecidos historicamente oportunidades de ingresso nas universidades”.

Mas, conforme o advogado, agora é o momento de avançar. “Os editais de processos seletivos precisam ser mais diretos e as bancas ter mais rigor para evitar fraudes”, sugere Silva. Desde o ano passado, a UFMG adotou as bancas de heteroidentificação para evitar essas situações.

Para Cristiano Rodrigues, professor adjunto do Departamento de Ciência Política da UFMG, as políticas de inclusão são bem-sucedidas, mas também é importante pensar em maneiras de manter essas pessoas nas universidades. “Principalmente alunos de cursos menos valorizados, que acabam vindo de classes mais baixas. O ideal é que eles não larguem as salas”, explicou ele, que é também colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. “Agora, precisamos ter professores negros”.

"Os dados do IBGE revelam que o Brasil começa a colher os frutos das Políticas de Ação Afirmativa (PAAs), que representam uma restituição a este segmento étnico da dívida histórica que o país tem. No ensino superior, as PAAs começaram a ser adotadas no início deste século, e o que os dados do IBGE demonstram é que, sem tais medidas, seria impossível incluir negros nesse nível de ensino na mesma proporção em que estão representados na sociedade como um todo. Esse resultado deve ser comemorado. No entanto, ao mesmo tempo em que o IBGE mostra que a presença de negros se ampliou nas universidades, revela que as desvantagens entre negros e não negros ainda é uma realidade. Será necessário desenvolver ações permanentes de combate ao racismo em todos os níveis e dimensões. Isso porque ele é estrutural na realidade brasileira e nos acomete de forma profunda"Adilson Pereira dos Santos, pró-reitor adjunto de Graduação e um dos fundadores do Fórum pela Igualdade Racial de Ouro Preto (Firop)

Mais chances de serem mortos

O relatório “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” também mostrou que a população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de assassinato do que brancos.

O IBGE levou em conta dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, entre os anos de 2012 e 2017. Nesse período, de acordo com Luanda Botelho, analista de indicadores sociais do IBGE, houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população preta e parda, passando de 37,2 para 43,4. Na população branca, o indicador se manteve em torno de 16.

“Reivindicação comum é da bibliografia com autores negros. O modelo atual é eurocêntrico”(Cristiano Rodrigues, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG)

De acordo com as estatísticas do SIM, foram registradas 255 mil mortes de pessoas negras por assassinato nos seis anos analisados. Entre os jovens brancos de 15 a 29 anos, a taxa era de 34 mortes para cada 100 mil habitantes em 2017, último ano com dados de mortes disponíveis no DataSus.

Entre os pretos e pardos, eram 98,5 assassinatos a cada 100 mil habitantes – se feito o recorte a homens negros, o número sobe para 185. Mulheres brancas jovens tem a taxa de 5,2, enquanto as pretas e pardas 10,1.

“Nos anos anteriores nem chegávamos perto desse percentual. É um pontapé”(Gilberto Silva, da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-MG)

Segundo o IBGE, jovens expostos à violência têm mais propensão a sofrer de doenças como depressão, vício de substâncias químicas e problemas de aprendizagem, além de suicídio.

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