(Frederico Haikal)
Todos conhecem alguém que possui uma verdadeira farmácia em casa ou têm aquela tia que adora "prescrever" um medicamento para qualquer doença. O senso comum foi colocado à prova em uma pesquisa feita em todo o país pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), por meio do Instituto Datafolha, que apontou que entre pessoas que tomaram algum medicamento nos últimos seis meses, 47% fez isso sem prescrição médica pelo menos uma vez por mês, sendo que em um quarto destes casos, amigos, vizinhos e parentes foram os principais influenciadores na hora da decisão.
Para a pesquisa, foram ouvidas 2.074 pessoas de 16 anos ou mais em capitais e Regiões Metropolitanas e, também, cidades do interior de diferentes portes em todas as regiões do Brasil. Os números obtidos, ainda conforme o CFF, serão utilizados em uma campanha de conscientização do Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos, comemorado no dia 5 de maio.
Dentre os 77% que confessaram que se automedicam, 25% fazem isso todos os dias ou pelo menos uma vez por semana, 22% uma vez ao mês e 30% menos de uma vez a cada 30 dias. Foi detectada ainda pelo estudo uma modalidade diferente de automedicação, quando, após passar pelo profissional da saúde e ter a receita, a pessoa usa o medicamento de forma diferente da orientada. Esta forma foi utilizada por 57% dos entrevistados, sendo que a principal alteração foi a redução da dose (37%), sob a alegação de que o medicamento fez mal ou a doença já estava controlada.
Diante de números tão alarmantes, a assessora Técnica do CFF responsável pela pesquisa, Mariana Gonzaga, aproveitou entrevista ao Hoje em Dia para alertar a população. "Todo medicamento tem o potencial de causar um efeito adverso. Portanto, quando eu tomo por conta própria, eu posso não estar totalmente informada do que pode acontecer de ruim. Principalmente se a pessoa já tiver um problema de saúde. Digamos que ela tem um problema de coração. E existem alguns medicamentos para gripe, por exemplo, que podem elevar o batimento ou a pressão. Mesmo tento venda livre, há riscos", diz.
Outro ponto constatado pela pesquisa do conselho é que a frequência da automedicação é maior entre as mulheres, já que 53% das entrevistadas disseram usar remédios por conta própria pelo menos uma vez por mês. Além disso, também foi apontado que a maioria das pessoas só se automedica quando já o utilizou o remédio em outra ocasião (61%). Por outro lado, a facilidade no acesso aos medicamentos é o principal motivo entre os mais jovens, já que foi apontado por 70% dos entrevistados de 16 a 24 anos.
Antibiótico é o 2º mais usado sem receita
A automedicação, além de poder fazer mal para quem pratica, também pode se tornar um problema de saúde pública. A pesquisa da CFF indicou que os antibióticos são responsáveis por 42% do total usado sem receita, ficando atrás somente dos analgésicos e antitérmicos, que juntos somam 50%. Para se ter ideia, o terceiro lugar é dos relaxantes musculares, com 24%.
O problema é que, quando utilizado de forma errada, o antibiótico pode fortalecer uma determinada bactéria, tornando cada vez mais difícil combater infecções. A farmacêutica Letícia Martins Barros Ramos, que é professora da Faculdade Kennedy, explica que cada classe de antibiótico é voltada para um tipo de bactéria. "Se eu tomo para dor de garganta, posso matar também as bactérias do trato intestinal, o que pode piorar uma coisa que nem tinha relação com o objetivo inicial. Além disso, pode-se criar bactérias mais resistentes e aí já não é problema só para a pessoa, pois ela pode passar para outras pessoas, que é como surgem estas superbactérias", explica a especialista.
A assessora técnica do conselho que fez a pesquisa, Mariana Gonzaga, também aponta para o risco do uso indiscriminado de antibióticos. "Estamos vivendo um momento difícil, com muitas superbactérias. É o único remédio que não causa dano só à pessoa, mas a todos ao redor. E, ainda assim, existem pessoas que defendem, inclusive no Senado, a volta da venda livre de antibióticos, o que seria um grande retrocesso para a saúde pública", acrescenta a assessora técnica do conselho.
Ela alerta ainda sobre o uso de medicamentos para dor e anti-inflamatórios sem a devida orientação. "São medicamentos muito buscados e que são os mais envolvidos com o risco de enfarte e lesão renal. Outro cuidado importante, diante da época em que estamos entrando, é com os antigripais. A orientação é que a pessoa tome somente um medicamento, pois muitas vezes mistura uma grande quantidade e a maioria deles têm uma mesma substância que, se usada de forma errada, por causar problemas hepáticos, disfunção renal e risco cardiovascular", conclui a farmacêutica.
Influenciadores
Ainda de acordo com o levantamento da CFF, familiares, amigos e vizinhos foram apontados como os principais influenciadores na escolha dos medicamentos usados sem prescrição médica, representando 25% do total. Entretanto, 21% dos entrevistados também citaram farmacêuticos e funcionários de farmácias como a fonte de indicação sobre quais os melhores remédios a serem tomados.
"O farmacêutico é habilitado para orientar sobre uso e, inclusive, pode prescrever medicamentos que não exigem que a receita fique retida. Por isso, se você buscar um remédio de gripe é importante que o farmacêutico saiba se a pessoa tem algum problema anterior. Esse profissional tem um grande papel e a busca é recomendada, diferentemente da procura de funcionários e também parentes. A pessoa pensa: 'Se fez bem para mim, vai fazer para quem eu amo', mas pode acabar fazendo mal", finalizou Mariana Gonzaga.
Números da pesquisa
- 77% da população que usou medicamentos nos últimos 6 meses o fez sem orientação médica
- 47% dos brasileiros se automedica pelo menos uma vez por mês
- 57% alteraram a dose receitada pelo médico
- 53% das mulheres tomam remédio por conta própria pelo menos uma vez ao mês
- 29% dos entrevistados no Sul do país não se automedicam, sendo considerada a região com mais consciência sobre o assunto
- 61% se automedicam só quando já usaram o medicamento antes
- 70% dos jovens de 16 a 24 anos atribuem a automedicação à facilidade do acesso
- 88% dos casos de automedicação foram feitos com remédios comprados pelos usuários
- 30% usaram remédios da rede pública quando o fizeram sem orientação médica
- 76% dos entrevistados confessou que descarta medicamentos vencidos de maneira incorreta
Leia mais:
ONU: uso excessivo de remédios pode matar 10 milhões ao ano até 2050
Hipertensão afeta um em cada quatro brasileiros adultos
SUS incorpora remédio contra doença rara em lista de medicamentos essenciais