Quatro anos após a tragédia em Mariana, primeiras casas são construídas no Novo Bento Rodrigues

Cinthya Oliveira
05/11/2019 às 06:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:32
 (Cinthya Oliveira)

(Cinthya Oliveira)

Quatro anos depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, os moradores das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo aguardam ansiosamente pelo momento em que poderão, finalmente, ocupar suas novas casas. O prazo para conclusão das obras é agosto de 2020, e o trabalho nos dois reassentamentos está a todo vapor para que o acordo judicial seja cumprido. "Não abrimos mão do cumprimento do prazo. Sabemos que é muito difícil deixar tudo pronto até lá, mas a gente não arreda o pé", afirma José do Nascimento de Jesus, da Associação Comunitária de Bento Rodrigues. 

No dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, administrada pela mineradora Samarco, se rompeu e a enxurrada de lama de reiejtos rapidamente atingiu a comunidade de Bento Rodrigues, a 35 quilômetros de Mariana, provocando a morte de 19 pessoas. Minutos depois, a lama arrasou a comunidade de Paracatu de Baixo e seguiu o curso de rios da região, até o rio Doce, afetando mais de 200 municípios entre Minas e Espírito Santo. Desde então, os moradores que perderam suas casas aguardam o reassentamento. Cinthya Oliveira / N/A

Primeiras casas são construídas no Novo Bento Rodrigues

Neste momento, duas das 225 casas do Novo Bento Rodrigues estão em construção, assim como as estruturas da escola e do posto de saúde. Até agora, de 97 projetos protocolados na Prefeitura de Mariana para a emissão de alvarás, 18 estão com a permissão para a construção. Outros 18 projetos estão com cópias finais protocoladas aguardando alvará e 27 com revisão protocolada na prefeitura para reanálise.

Em Paracatu de Baixo, as obras de terraplenagem tiveram início há dois meses. Cerca de 70 projetos conceituais de casas estão em desenvolvimento, enquanto o processo de registros dos lotes no Cartório de Registro de Imóveis em Mariana é finalizado, para que depois o alvará para cada edificação possa ser solicitado.

“Em novembro, já estarei apto a começar as construções das casas, mas possivelmente não terei a documentação para começar”, explicou o gerente de obras do reassentamento de Paracatu de Baixo, Marcello Lucena. Segundo ele, para esse caso em que os projetos são personalizados, calcula-se um tempo de sete meses para a construção de uma casa.

Em Bento Rodrigues, outra questão que deve interferir na entrega do reassentamento é a mudança no projeto da estação de tratamento de esgoto, que demanda uma outra licença ambiental. “A população pediu para mudar o local da estação, e ela estará instalada a uma distância de 1,5 km”, explicou Emerson Viana de Oliveira, gerente de Obras do reassentamento de Bento Rodrigues. 

De acordo com José Nascimento de Jesus, a comunidade decidiu que só se mudará para o reassentamento depois que tudo estiver pronto. "Nós saímos juntos e vamos retornar juntos", garantiu. O acordo entre Fundação Renova e Ministério Público, homologado pela Justiça, prevê a entrega de todas as casas e imóveis públicos (escola, posto de saúde, quadra esportiva etc) em agosto do ano que vem.

Três turnos

Mesmo com as questões burocráticas, as obras nos reassentamentos estão sendo realizadas para uma entrega rápida às comunidades afetadas pela tragédia em Mariana. No momento, 2.500 trabalhadores se revezam em três turnos no canteiro de obras de Novo Bento Rodrigues, instalado em uma antiga área de uma siderúrgica. A expectativa para Paracatu de Baixo é que, assim que os primeiros alvarás sejam concedidos, 1500 trabalhadores atuem por dia no local. De acordo com a Renova, cerca de R$ 275 milhões foram destinados aos reassentamentos.

Nos dois casos, a prioridade das obras é a construção das vias de acesso. Em Paracatu, uma estrada está sendo construída porque uma das demandas dos atingidos foi não ter que passar pela antiga comunidade e ter de ver constantemente as ruínas que lá ficaram.Cinthya Oliveira / N/A

As obras de terraplenagem acontecem em uma região montanhosa que receberá o Novo Paracatu de Baixo

Um terceiro reassentamento é planejado pela Fundação Renova, como reparação aos moradores de Gesteira, distrito de Barra Longa, que perderam suas casas. Até o momento, 37 famílias discutem com a entidade quais deverão ser as diretrizes para a construção do novo espaço.

De acordo com a Fundação Renova, os prazos para a construção dos reassentamentos “são diretamente influenciados pelo processo coletivo e deliberativo definido para tomada de decisões, estabelecido nas diretrizes do reassentamento definidas com a comunidade, comissão de atingidos, assessoria técnica, com acompanhamento do Ministério Público”.

A entidade diz que todos os assuntos que podem impactar os prazos do reassentamento estão sendo tratados no âmbito de uma Ação Civil Pública, em discussões realizadas em audiências judiciais que contam com a participação do Ministério Público, mantenedoras, representantes dos atingidos, além da Fundação Renova.

Casas personalizadas

Cada família atingida das comunidades que foram devastadas pela lama de Fundão pôde repensar a casa onde quer viver. Em Bento Rodrigues, 40 arquitetos atendem as famílias, relembrando como eram as casas originais e fazendo sugestões de melhorias para uma nova residência.

“As famílias criam com os arquitetos como vão ser as novas casas. Não necessariamente a casa tem ligação com o que tinha antes da tragédia. As famílias estão optando por ter visão do futuro”, explica o arquiteto Alfredo Zanon, especialista de Obras e Projetos da Fundação Renova.

Os projetos seguem os tamanhos que as casas tinham originalmente em Bento Rodrigues, respeitando um tamanho mínimo de 75m2 de área construída e 250m2 de lote. E os arquitetos têm de dialogar com as mudanças que as famílias vivenciaram nos últimos quatro anos. Afinal, nesse tempo, crianças nasceram, pessoas morreram, casais se casaram ou se separaram. Em alguns casos, a casa destruída pela lama se tornou espólio e os herdeiros ainda não chegaram a um consenso. Dessa forma, as demandas foram se transformando e os projetos sofrendo alterações.

Veja vídeo em que o arquiteto Alfredo Zanon, especialista de Obras e Projetos da Fundação Renova, fala um pouco sobre esse trabalho:

Outro trabalho que vem sendo desenvolvido nas áreas atingidas é referente às propriedades rurais, que não foram atingidas pela lama de rejeitos, mas tiveram suas produções afetadas pela tragédia. A maioria sofreu com a falta de mão de obra, já que os moradores de comunidades como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo tiveram de deixar suas casas.

Um dos casos é a propriedade de Waldir Pollack, que desde 1987 investe na produção de legumes e verduras orgânicas em um sítio bem próximo a Paracatu de Baixo. Para que o espaço volte a ser sustentável, foi construída uma casa de mel e implementada uma área de Sistema Agroflorestal (SAF), uma espécie de floresta produtiva, com árvores frutíferas de diferentes tipos.

Com a nova casa de mel e a expectativa do retorno dos moradores de Paracatu de Baixo, seu Pollock tem esperança de voltar a ter uma propriedade autossustentável. Atualmente, ele vende sua produção em feiras de Mariana e Acaiaca.

“Não vai ser igual a antigamente, é uma nova vida. As pessoas vinham comprar aqui, hoje não vêm mais”, contou seu Pollock, de 73 anos. “Hoje tenho que fazer muita coisa sozinho. Antes as pessoas vinham trabalhar comigo, molhar a horta, mas agora não tem como alguém vir de Mariana para isso”. De carro, uma viagem entre o Centro de Mariana e a propriedade leva aproximadamente 60 minutos.

Recuperação ambiental

Além de trabalhar a reparação aos atingidos pela tragédia em Mariana, a Fundação Renova também deve atuar na revitalização ambiental da área atingida – de Mariana ao litoral do Espírito Santo. Entre as ações, está a realização de projetos pilotos que visam a renaturalização do rio Gualaxo do Norte, um dos principais afluentes do rio Doce.

Em um deles, biólogos de uma startup inserem troncos de árvores nas margens do rio, ajudando a frear o fluxo das águas e criando pequenos remansos que permitam o aparecimento de peixes e outros seres importantes para o desenvolvimento do ecossistema local. Os primeiros resultados do trabalho ainda não foram finalizados, mas uma observação preliminar já indica que a ação foi positiva.

Veja fala da bióloga Letícia de Moraes sobre o trabalho que tem sido feito de renaturalização do rio:

De acordo com a Renova, o processo de revitalização foi feito ao longo de 1.800 metros do rio Gualaxo do Norte e deve-se estudar a possibilidade de levar as técnicas aplicadas nele para outros trechos deste rio e de outros atingidos.

Licenciamentos em curso

A Prefeitura de Mariana informou que o processo de aprovação dos projetos apresentados pela Fundação Renova segue os mesmos padrões dos processos em aprovação em qualquer área urbana do município. Informou ainda que Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo têm leis específicas diferentes, sendo ambas leis complementares à Lei 016/2004 - Plano Diretor Municipal.

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) afirmou que sua Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri)  tem proposto e mantido, tanto com a Fundação Renova, quanto com as comunidades atingidas e, ainda, junto aos órgãos ministeriais, o compromisso de, quando se tratar de ações relativas ao reassentamento de atingidos, agir com a maior celeridade, priorizando absolutamente tais processos.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) adiantou que, nesta terça-feira (5), deve realizar uma ação em Barra Longa, município que foi atingido pela lama de rejeitos. Neste momento, o movimento levanta recursos para a criação de uma Casa Solidária dos Atingidos. Também estão sendo realizados encontros com atingidos esta semana em Mariana. 

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