
Um dia após o engavetamento de 11 veículos no Anel Rodoviário, componentes que contribuíram para a tragédia – como pontos de gargalo, que fazem formar uma fila de carros – continuam a postos para provocar um novo acidente. Sem previsão para que o problema seja resolvido, milhares de pessoas que passam pelo local todos os dias são colocadas em risco permanente.
Duas obras são essenciais para transformar a rodovia. Orçada em R$ 1,5 bilhão, a reforma geral do Anel (com readequação do traçado, construção de novos acessos e vias marginais) eliminaria os obstáculos que provocam os congestionamentos.
Para 2015, porém, os únicos recursos garantidos, até o momento, são da Prefeitura de Belo Horizonte: apenas R$ 4 mil. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que responde pela União, não informou se há verba prevista.
Já a construção do Rodoanel, um contorno viário capaz de absorver o fluxo de veículos pesados, permanece em análise. O empreendimento, licitado na modalidade parceria público-privada (PPP), custaria R$ 7,1 bilhões. Mas, segundo a Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), o valor foi considerado incompatível com a disponibilidade orçamentária mineira.
Cenário
Há um ano, a concessionária Via 040 assumiu a gestão de um trecho de 10,5 quilômetros do Anel, entre os bairros Califórnia e Olhos D’Água. Nesse tempo, fez algumas intervenções como reconstrução de pavimento e renovação da sinalização.
No entanto, outras melhorias fogem da competência da concessionária. Em nota, a assessoria de imprensa informou que o contrato não inclui obras de ampliação de capacidade da via. “A execução desses trabalhos, até o momento, permanece na alçada do poder público”.
Para Guilherme de Castro Leiva, coordenador do curso de engenharia de transporte do Cefet, o Anel Rodoviário perdeu eficiência com o passar dos anos. Inaugurada na década de 1960, a rodovia não tem mais capacidade para atender a demanda de veículos.
“O Anel se transformou em uma via urbana. No mesmo local, passam pessoas que estão viajando, caminhoneiros e gente comum, que só está indo de um bairro ao outro. Essas pessoas estão em velocidades e com atenções diferentes o que, por si só, gera um problema de incompatibilidade”, afirma.
Associados a isso, há muitos pontos de afunilamento que geram retenções. Faltam trechos marginais, que poderiam ser utilizados como pontos de ônibus e acesso aos bairros vizinhos. “O alargamento de alguns trechos permitiria que o fluxo fosse mais contínuo, o que certamente colaboraria para reduzir os acidentes”.
Policiamento
A ausência de acostamentos também dificulta a fiscalização, afirma o capitão Cláudio Antônio Matos, comandante de policiamento no Anel Rodoviário. “Em 26 quilômetros de rodovia, praticamente não há áreas de escape, locais apropriados para fazermos uma blitz, por exemplo”.
As abordagens não apenas tirariam do trânsito os carros irregulares ou com problemas no sistema mecânico, como também inibiriam infrações, pela simples presença de militares.
‘Não tenho direito a pensão, estou sem respaldo’, diz viúva de vítima de acidente
“Somos três órfãs”, resume assim Kênia Fonseca Prado, a viúva de Luiz André Alípio de Araújo, a falta que ele fará em casa. Luiz morreu, na última quarta-feira, num acidente no Anel Rodoviário de BH.
A pedagoga, de 35 anos, fica agora sozinha para cuidar das duas filhas, uma de 5 e outra de 8 anos. Ela conta que o marido, apesar de ser professor, atualmente trabalhava de forma autônoma, com restauração de carros antigos.
Kênia ainda reclama que, desde o acidente, não recebeu nenhuma assistência. “Ninguém me procurou, nem o motorista, nem qualquer pessoa do governo. Não tenho direito a pensão, a nada, estou sem respaldo”.
Entretanto, apesar da dor, Kênia diz que quer a investigação da morte do marido. “Não é por dinheiro, é por justiça. Ele pode ser só mais um número nas estatísticas de acidentes no Anel, como alguns tratam, mas se cada número tiver voz, a gente faz as coisas acontecerem, temos que lutar, é meu dever de cidadã”, reforça, criticando a estrutura da via.
Despedida
O corpo de Luiz André será sepultado nesta sexta-feira (15), às 13h, no Cemitério Parque Renascer. No momento do acidente, ele retornava do trabalho e habitualmente passava pelo trecho onde aconteceu a tragédia. “Meu marido era um homem trabalhador e faleceu por causa de um erro. A gente sabe que o governo tem sua parcela de culpa, mas quero apurar todos os fatos. Quero saber as condições do caminhão, se estava em alta velocidade”, disse, ainda abalada.
Para ela, a morte de Luiz e tantas outras no local são tratadas com banalidade. “Estou indignada. Ficamos sabendo da morte pela internet. Nem lendo o boletim de ocorrência dá para entender direito o que aconteceu”.
“O governo, o motorista, a empresa por trás dele, se houver, todos me devem uma resposta” Kênia Fonseca Prado - Pedagoga