Venezuelanos encontram em BH a chance de reconstruírem suas vidas

Juliana Baeta
18/02/2019 às 19:27.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:36
 (Riva Moreira )

(Riva Moreira )

O horizonte que se expande na capital mineira para 37 imigrantes venezuelanos, além de "Belo", é novo. Aqui, eles pretendem reconstruir suas vidas, arrumar emprego e trazer as famílias que continuam vivendo em meio à crise na Venezuela. 

Ao mesmo tempo em que a saudade do país de origem é grande, eles sabem que não há como voltar. E a chegada a Minas tem ajudado a amenizar o sentimento de tristeza, que começa a dar lugar à esperança.

Quando desembarcaram do avião das Forças Aéreas Brasileiras (FAB) que partiu de Boa Vista (Roraima) com destino à Confins, na noite de sexta-feira (15), desembarcou junto com eles a vontade de explorar um lugar novo e cheio de possibilidades. Riva Moreira

Sem condições de viver na Venezuela, migrantes encontram abrigo em Minas

Do grupo de 37 venezuelanos que pretendem fixar residência em solo mineiro, 25 se dividirão entre a Arquidiocese de BH e a Casa dos Jesuítas, também na capital, e outros 12 irão para a Paróquia dos Jesuítas em Montes Claros, no Norte de Minas. Eles terão abrigo por cerca de três meses e a expectativa é que, neste período, consigam trabalho e possam se sustentar.

Se depender das respectivas capacitações e força de vontade, arrumar uma colocação no mercado de trabalho mineiro não será das tarefas mais difíceis, como conta a assistente de comunicação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Victória Hugueney.

"São pessoas como qualquer outra que estão vivendo, atualmente, uma situação extraordinária por influências externas, o que poderia acontecer com qualquer um de nós. Eles estão em uma situação de vulnerabilidade e precisam de acolhimento e proteção. A maiorias deles, inclusive, tem um alto nível de escolaridade. Na fronteira com a Venezuela, acolhemos muitos médicos, enfermeiros, professores, juízes, engenheiros e técnicos de diversas áreas", explica.

Um destes técnicos é Ronald Leonardo, de 39 anos. Ele e o irmão, Geyser Requena, de 42, moraram em Boa Vista, Roraima, por quatro meses, antes de virem para BH. Ronald se lembra que, na cidade de Upata, no Estado de Bolívar, onde morava, trabalhou por 15 anos como técnico em uma empresa do governo, e chegou a ter três carros e uma moto. Quando a empresa fechou, junto com ele, foram demitidos 7 mil trabalhadores.

A situação na Venezuela 

À medida em que as empresas iam fechando, os trabalhadores passaram a receber uma ajuda simbólica do governo, que não é compatível com os custos de vida atuais do país. Como Ronald exemplifica, o valor mensal pago pelo governo é o equivalente a cerca de R$ 50, enquanto o preço de um frango por lá, gira em torno de R$ 40. 

"Não há comida, não há dinheiro, não há remédios. Na Venezuela, quem adoece, morre. Já cheguei a ter um dinheiro no bolso e saí para comprar comida para a minha família e voltar sem nada, simplesmente porque não havia comida para comprar. Já fiquei sem comer por quatro dias. Eu sei que para vocês é difícil entender essa situação, porque realmente é algo que só se vê em filmes. Está impossível viver lá em condições mínimas. A situação é crítica em todos os aspectos: saúde, segurança, economia, alimentação", comenta. 

Segundo ele, muitas pessoas recorrem ao suicídio, e outras, sem comida e sem esperança, acabam ficando loucas. "Se conseguíssemos tomar o café da manhã, sabíamos que naquele dia não iríamos almoçar nem jantar. Se alguém da família adoece, temos que escolher entre salvar aquela vida ou comprar comida. O meu cunhado teve um ferimento no dedo, que inflamou, e ele precisava de antibióticos. Não encontramos medicamentos em farmácia alguma. Ele precisou amputar o dedo e eu me lembro de como ele chorava de dor", relata.   

Ronald deixou a família na Venezuela e cruzou a fronteira para Boa Vista há cerca de quatro meses, com o irmão Geyser e um filho de 12 anos, que continua em Roraima. A intenção é, depois de se estabilizar em BH, trazer a esposa e o outro filho, de 16 anos, que ficaram na Venezuela, além dos demais familiares.  Riva Moreira

Geyser, Marcelis e Ronald vão morar em BH


Questionado sobre a possibilidade ou vontade de retornar à Venezuela algum dia, Ronald se emociona. "É muito triste esta pergunta. Porque a mente diz uma coisa e o coração diz outra, mas eu não posso pensar com ele. Não há como voltar para o meu país, e isso dói. O plano é ficar aqui em BH. É uma porta que se abriu e temos que aproveitar", conclui. 

Para o irmão de Ronald, Geyser Requena, todos as dificuldades no Brasil serão vencidas. "Veja, eu tenho 42 anos e fiz minha vida toda na Venezuela, onde tenho quatro filhos, esposa, mãe, irmãos. Mas agora tenho que pensar no futuro, é a única maneira de seguir adiante. Vamos fazer aulas de português aqui, trabalhar, estudar e romper qualquer tipo de barreira. Temos que agarrar esta oportunidade, nos estabilizar e trazer nossas famílias para cá", conta. 

O contato com os familiares é constante via WhatsApp, mas as notícias nunca são boas. "A situação continua difícil por lá e piorando cada vez mais. Sempre que nos falamos, eles (familiares) só choram e choram", lembra. 

Mudança de Boa Vista para BH

Antes em Roraima, estado brasileiro que faz divisa com a Venezuela na cidade de Pacaraima, a distância mais curta permitia que os venezuelanos alocados em Boa Vista pudessem enviar mais facilmente suprimentos para entes queridos ou até mesmo fazer visitas. É o caso de Ronald e Geyser que, em janeiro deste ano, puderam visitar a família e levar sacolas com alimentos e remédios. 

Mas agora em Belo Horizonte, este fluxo tende a diminuir. Daí a necessidade de se estabilizar na capital mineira e poder "resgatar" a família da Venezuela. Por outro lado, diferente de Boa Vista, cidade com cerca de 375 mil habitantes, BH, que conta com quase 2,3 milhão de moradores, sinaliza mais oportunidades do que a capital de Roraima. 

Além disso, com a pecha que alguns migrantes recebem por lá, a tendência é que por aqui, a população seja mais receptiva e acolhedora. "Alguns venezuelanos não vieram com a vontade que nós temos de melhorar nossa qualidade de vida e dar certo aqui. Por isso, acabaram ficando estigmatizados. Em alguns lugares onde fui procurar trabalho em Roraima, bastava dizer que era venezuelano que me mandavam ir embora", lembra Ronald. 

Para ele, a arrogância de alguns brasileiros em lidar com a situação do país vizinho, aconteceu também na Venezuela. "Em Boa Vista estive conversando com algumas pessoas brasileiras que se mostraram muito arrogantes e disse que elas têm que ser mais humildes, porque a situação no Brasil agora está melhor do que a da Venezuela. Mas já aconteceu de na Venezuela, quando as coisas estavam melhores, venezuelanos terem esta mesma atitude de arrogância, e passado algum tempo, se virem na situação de ter que ir para outros países para sobreviver", comenta.Riva Moreira

Na Venezuela, Marcelis era diretora cultural, instrumentista e cantora

Princesa da Harpa

As mãos habilidosas da música Marcelis García, de 27 anos, acostumadas a lidar com instrumentos musicais complexos, como a harpa, passaram sete meses limpando banheiros em Boa Vista. O problema não eram os serviços de diarista que exerceu durante a temporada em Roraima, mas as humilhações que sofria em algumas situações devido à nacionalidade. 

Com a chegada a BH, ela vislumbra outras possibilidades. "Depois que parei de ser remunerada na Venezuela, eu tentei começar um negócio de frutas, mas não tinha nem dinheiro e nem comida. Foi quando decidi vir para o Brasil em busca de oportunidades. Na parte fronteiriça do Brasil é realmente maior a discriminação. Também foi difícil me adaptar aos serviços de limpar casas, banheiros, mas não tenho problema em limpar, só não gosto de discriminação. Isso foi o mais difícil", conta. 

Além dos serviços domésticos que exercia em Boa Vista, Marcelis também era voluntária junto com os jesuítas no acolhimento aos migrantes. Mas na cidade natal na Venezuela, ela mantinha uma banda batizada de "La princesa del Arpa y sus amigos", onde tocava vários instrumentos e cantava."Gostaria de trabalhar na minha área por aqui. Eu sou música e cantora, e era diretora cultural na Venezuela. Também fui professora de educação física por lá, mas não era remunerada devido à crise", lembra.  

A despeito de todas as expectativas em relação a Belo Horizonte, nova morada no Brasil, é ao lembrar da família que a voz embarga e ela não consegue continuar a entrevista. "Mi mamá, mi papá, una hermana, un sobrino", é tudo o que consegue dizer, antes de confirmar com os olhos a saudade que sente todos os dias. Assim como os outros imigrantes que se instalam em Minas, o objetivo de Marcelis é conseguir um trabalho e trazer sua família para cá.

Veja abaixo um vídeo de Marcelis na Venezuela tocando harpa:

Interiorização

Desde 2015, mais de 85 mil venezuelanos procuraram a Polícia Federal para solicitar refúgio ou residência no Brasil. A chegada do grupo de imigrantes a Minas faz parte do programa "Acolhe, Minas", projeto que une o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e a Força Aérea Brasileira (FAB). 

O objetivo é "desafogar" Roraima e dar aos migrantes oportunidades melhores em várias partes do país. Entre o ano passado e janeiro deste ano, a união das entidades já possibilitou a acolhida de venezuelanos em São Paulo, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Ao longo do ano, Minas deve receber mais venezuelanos. A ideia é que as casas de acolhida designadas no Estado se tornem lar transitórios para eles.

Como ajudar

O escritório dos Jesuítas, no Centro de BH, continua recebendo doações de suprimentos para atender as necessidades dos imigrantes nas casas de acolhida. No momento, as principais necessidades são: sardinha em lata, leite, café, molho de tomate, farinha de mandioca, margarina, óleo, biscoito, ovos, alho, cebola, salsa, maçã, laranja, banana, sabão em pó, palha de aço, água sanitária, desinfetante, pano de chão e detergente. 
As doações podem ser entregues de segunda a sábado, de 8h às 17h, na avenida Amazonas, 641, 8° andar. 

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