Relendo a saga de Lóri, a mulher com uma relação intensa e ao mesmo tempo insegura com Ulisses, vejo como Clarice Lispector, uma espécie de escritora bruxa vem, em “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, tratar da liberdade feminina. A princípio, a personagem depende do amante para aprender a amar. Mas isso não dura muito, porque enquanto avalia se ama Ulisses, Lóri vai se conhecendo melhor.

Chegar a si mesma é o trajeto sonhado de toda mulher. Pode acontecer na adolescência ou durar uma vida inteira, mas nenhuma terá trajetória feliz se não se encontrar. Essa chegada nada tem a ver com o século.

A palavra “feminismo” foi criada por um homem. Porque eram eles à frente de tudo. O francês Charles Fourier foi filósofo e socialista utópico e em 1837 identificou e nomeou o movimento de mulheres brigando por direitos equânimes. A luta pelo voto foi a primeira a ganhar proporções internacionais, tendo sido a do Reino Unido uma das mais sangrentas, retratada no filme “As Sufragistas”. No Brasil, como todo mundo sabe, o voto feminino veio em 1932 por decreto, sem necessidade de guerra nas ruas.

Mas nem todas as mulheres caminham em direção a si mesmas. E o direito de votar não é, de longe, o único interesse. O que se pergunta hoje é sobre as mulheres na política, com os partidos atrás de filiações feministas, enquanto o ministério de Michel Temer as deixa de fora. A representação pura e simples não vai resolver nada. Se os partidos políticos são estruturados de forma a apenas recebê-las como damas de companhia ou para o papel de secretárias bem preparadas, nada vai mudar. Quando houver espaço para uma inclusão de fato, em que possam brigar pelo protagonismo nas definições de planos de governo, de políticas públicas, haverá real interesse.

Quando cada Lóri receber o respeito de todo Ulisses, o direito ao desejo e à voz própria, não será mais preciso se falar em feminismo e cota de mulheres nas disputas eleitorais ou em qualquer espaço desse universo.