'O povo é o verdadeiro acionista da Codemig'

Janaína Oliveira
joliveira@hojeemdia.com.br
02/04/2017 às 13:38.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:58

Presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), Marco Antonio Castello Branco descreve a empresa que dirige como orquestradora do desenvolvimento no Estado. Um dos projetos é conseguir um parceiro para relançar as águas Lambari, Caxambu, Cambuquira e Araxá. Ex-presidente da Usiminas, ele lamenta a briga entre os sócios da companhia e diz que o imbróglio afasta investimentos e trabalhadores competentes. Nesta entrevista, Castello Branco diz que as reformas são necessárias ao país, mas precisam ser discutidas com transparência com a população. “Tem que parar de ficar ameaçando, que vai quebrar o Brasil. Isso não é verdade”, diz. 

A cada governo a Codemig muda um pouco seu papel. Qual a principal estratégia da empresa hoje?

A proposta da empresa é ser orquestradora do desenvolvimento econômico de Minas Gerais. A Codemig deixa de ser um braço de execução de obras públicas, papel que ela teve durante algum tempo, executando junto com a Secretaria de Obras Públicas, com o DER, onde ela repassava recursos e esse recursos eram utilizados em obras viárias, estradas, trevos e edificações. Mas ela deixa de ser isso para ser uma empresa que quer investir e promover setores econômicos. Outra preocupação muito importante que passou a vigorar no nosso governo é que a aplicação desses recursos no desenvolvimento econômico tem que gerar retorno para Codemig, para ela se manter no longo prazo, ser sustentável. Por que se ela faz aplicação dos recursos que recebe mensalmente através da participação no lucro da exploração do nióbio que vem da CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), se esse dinheiro é colocado em negócios que não geram nada para a empresa, quando deixa de ter essa renda do nióbio a empresa acaba. 

A CBMM é a grande financiadora da Codemig? 

Sim. E a Codemig tem que pagar dividendos para o acionista, que é o Estado de Minas Gerais. Ao invés de eu fazer transferências de convênios, de mandar dinheiro para obras públicas, nós pegamos e damos o dividendo para o Estado. Ano passado, nós pagamos R$ 150 milhões de dividendos. Este ano, vamos pagar R$ 92 milhões de dividendos. A Codemig paga o dividendo para o acionista e o Estado vai gastar esse dinheiro do jeito que ele achar melhor, seja para fazer estrada, hospital etc. Isso também é diferente. Uma empresa, sociedade anônima como nós somos, controlada pelo Estado, deve ter essa preocupação de remunerar o acionista. O acionista é o povo, representado pelo governo que é o controlador da empresa. 

O que explica essa queda no pagamento de dividendos? 

Por causa da crise diminuíram as receitas de nióbio. Houve uma alteração mundial nos preços das commodities. Mas mesmo assim é um rendimento muito importante. Estamos repassando 40% do lucro líquido da Codemig. Além disso, 12,5% do lucro líquido da Codemig vai agora para ser aportado no MG Investe, que é o fundo de investimentos do Estado. 

Estamos criando um polo de excelência e de construção de tecnologia para utilização de terras raras, um subproduto do nióbio. Escolhemos a área de ímãs permanentes de alta performance com um laboratório-fábrica em Lagoa Santa

Quais os projetos mais importantes atualmente?

Estamos criando um polo de excelência e de construção de tecnologia na área de utilização de terras raras, porque terras raras são um subproduto do nióbio. Escolhemos a área de ímãs permanentes de alta performance e vamos criar em Lagoa Santa um laboratório-fábrica que vai desenvolver tecnologias de ponta de produção e aplicação de ímãs usados em carros elétricos, aerogerador e outros. O projeto executivo já está sendo finalizado e pretendemos começar as obras neste ano. Outro projeto importante é do grafeno, um produto do futuro, de grande utilização em baterias elétricas, que estamos fazendo em parceria com a Universidade Federal. É uma área de nanotecnologia onde Minas tem grande potencial. 

Um dos principais projetos da Codemig é dar impulso à aviação regional, com o projeto Voe Minas Gerais. Ele vem dando os resultados esperados? 

Esse é um exemplo de área em que o setor privado não consegue entrar ainda porque tem barreiras regulatórias e econômicas. Não tem histórico de aviação regional. Então a Codemig está fazendo subsídio, fomentando a atividade da aviação regional, principalmente em alguns municípios que nunca receberiam um avião. Eu quero continuar isso? Nunca. Mas nós precisamos operar isso por um determinado tempo, subsidiando, para abrir a possibilidade para o setor privado entrar nessa atividade. 

Mas até quando o Voe Minas será subsidiado?

O primeiro projeto nosso era um ano, que vai vencer agora em agosto. E pode ser prorrogado por mais um ano. Estamos começando a melhorar, a taxa de ocupação está em mais de 30%. As pessoas estão tendo mais interesse e estão perdendo o medo de voar em avião monomotor. A parte de comercialização, que é difícil, também começa a funcionar. Por exemplo, no caso do cartão de crédito, algumas bandeiras ainda não estão sendo operadas, então tenho que abrir para mais bandeiras, mas é necessário fazer uma licitação. É todo um processo. Comparamos a aviação regional aqui em Minas com a dos Estados Unidos. De 1980 a 2000, a ocupação dos aviões regionais nos Estados Unidos girava em torno de 40%, 45%. Normalmente, o ideal é 70%. Estamos fazendo uma função na aviação regional que nos Estados Unidos é feita pelas grandes companhias, como American Airlines e United. Quando você chega em Dallas e quer ir para uma cidade pequena, a American subcontrata uma empresa igual à nossa, a Two-Flex, e garante os assentos para levar o passageiro da American até o destino. Aqui, nem a Azul, nem a Gol, nem a Latam, fazem isso.

São investimentos de risco?

É importante essa visão de que a Codemig aporta investimento nas áreas de elevadíssimo risco para o setor privado. Quando você está em uma área de risco, há possibilidade de ganho muito grande. Também estamos criando fundos de investimento. Criamos o fundo Aerotec, que investe no setor aeroespacial, e criamos agora o fundo de Biotecnologia e Ciências da Vida, que vai investir em empresas de biotecnologia. 

O Estado vai continuar no negócio da água engarrafada?

As águas minerais são um patrimônio. Durante 30 anos, quem explorou as águas foi o grupo Supergasbras, que chegou a fazer 50 milhões de litros de água por mês. Até 2002, chamava Super Água. Era uma concessão privada. Ela engarrafava e distribuía as marcas Lambari, Caxambu, Cambuquira e Araxá. Em 2003, acabou o contrato de concessão. Mas eles não quiseram renovar. Aí voltou para a Codemig e entrou tempos depois a Copasa. E a Copasa não conseguiu desenvolver, apesar do investimento. A Copasa perdeu muito dinheiro, foram quase R$ 90 milhões de prejuízo acumulado porque é impossível atuar no mercado com as dificuldades que o setor público tem. Para você entrar no supermercado, você tem que dar um enxoval, um valor de produtos que vai iniciar aquela atividade lá. Uma empresa pública não pode fazer isso, é proibido. Então fizemos a manutenção dos equipamentos, diminuímos o efetivo de pessoal. Hoje ainda dá prejuízo porque eu não consigo vender. Queremos fazer uma parceria com o setor privado. Não é uma privatização. O ativo fica com o Estado, as fábricas são nossas, as reservas são nossas. Estamos propondo criar uma sociedade de participação, igual a do nióbio, onde damos o direito de usar nosso ativo. Essa sociedade tem que ter um parceiro privado com estrutura de comercialização e capacidade de distribuir a água mineral no Brasil inteiro. Esse parceiro tem que ter a capacidade de distribuir 12 milhões de litros de água por mês. Mas tem que ser economicamente viável. Não podemos ter mais 90 milhões de perdas. Não é justo com o povo de Minas Gerais. 

Como ex-executivo da Usiminas, o senhor acredita que a batalha entre os sócios hoje (Nippon X Ternium) pode atrapalhar o desenvolvimento econômico do Estado? Se pudesse, qual conselho daria? 

É uma grande lástima a Usiminas passar pelo que está passando e com reflexos muito graves na própria empresa e na economia na região do Vale do Aço, de Minas e do Brasil. É muito difícil culturas diferentes tomarem decisão em consenso em momentos de crise. Seria mais importante para a Usiminas se ela tivesse um único grupo operador industrial. O que está havendo ali é um processo de divórcio que vai gerar fraturas internas e deixar cicatrizes. E as pessoas do setor siderúrgico, que gostam, que têm competência, gente jovem, não vão para a Usiminas por causa da insegurança. Isso afeta o futuro da Usiminas. 

Ano passado, nós pagamos R$ 150 milhões de dividendos ao Estado. Este ano, vamos pagar R$ 92 milhões. E o Estado vai gastar esse dinheiro do jeito que ele achar melhor, seja para fazer estrada, hospital etc

Como o senhor avalia o governo de Michel Temer? 

O Brasil precisa fazer muitas reformas. Mas o que compartilho 100% com a prudência do governador Fernando Pimentel é que coisas que vão ter impacto na vida das pessoas não adianta fazer sem conversar com os afetados. E a reforma da Previdência, por exemplo, vai afetar gerações. As reformas estruturais, que são necessárias, precisam de ter um processo de diálogo, amadurecimento e convencimento, que permitam que elas permaneçam por mais tempo. Morei muitos anos na Alemanha e na França. As coisas que vão mudar realmente eles negociam, gastam tempo para a negociação, e dão tempo para ela entrar em vigor. As pessoas se preparam, são avisadas. No Brasil, a gente não consegue ter essa maturidade. Tem que parar de ficar ameaçando, que vai quebrar o país. Isso não é verdade. 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por