Momento vivido

06/04/2021 às 10:31.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:37

Ricardo Pereira de Freitas Guimarães (*)

De repente, toca seu telefone celular. Do outro lado, um amigo que você não via há tempos, dizendo: “estou te ligando para dizer que o Claudinho morreu, nosso amigo de infância”. Você lamenta demais, pergunta se a família precisa de algo, e em seguida desliga e comenta com seus familiares mais próximos. E todos procuram rezar por eles.

Uma hora depois, você entra nas redes sociais e vê que uma cantora, de quem você sempre foi fã e profundo admirador, acabou de falecer. Novamente, você divide o assunto com aquele pequeno núcleo familiar com os quais você ainda consegue estar realmente próximo. 

Três horas depois, um grupo de colegas de profissão via WhatsApp acaba noticiando o estado gravíssimo de mais uma pessoa querida por você. 

Na mesma noite, já perto da hora de dormir, mais uma vez seu telefone toca dando notícia de que um parente amado acaba de te deixar. Então, você chama seu núcleo familiar e todos sentem demais pelo passamento, com lágrimas que não são poupadas.

Você, então, já cansado daquele dia e daquela parte da noite, decide ir para a televisão buscando alguma distração para si. Houve apenas três notícias: a primeira dizendo que estamos muito longe de receber vacinas para imunização; a segunda, dando conta das aglomerações existentes, uma por aqueles que efetivamente precisam trabalhar, e dependem dos transportes públicos, que precisam abrir seus pequenos negócios, e outra por aqueles que insistem em dançar ao som dos aparelhos da UTI e do barulho do zíper do saco preto que revela a morte do que eles chamam de “outros”, ignorando o sacrifício de todos os profissionais da saúde. Como terceira notícia, consequência das duas primeiras, de sua cama você observa o seu televisor anunciar o número de morte daqueles que aqueles chamam de “outros” que beira 4 mil humanos por dia.

Esse contexto, repetido em maior ou menor grau diariamente durante mais de 365 dias, independentemente da sua situação financeira, de quem você é, da marca de roupa que você pode usar, do vinho que você pode tomar, do carro que você pode comprar, do grau de instrução que você possa ter ou do poder que você julga ter, é simplesmente avassalador, destruidor do nosso mínimo equilíbrio emocional. Não haverá aqui comentários sobre o culpado ou os culpados dessa destruição que nos foi causada ou pelo menos sobremaneira agravada por esse ou aquele posicionamento. Nosso pedido é apenas para que não nos tratem como os “outros” pois há um grande risco de vocês entrarem para esse grupo em breve.

Vamos usar o “nós” como inicial função de nossos diálogos, vamos abraçar nossos queridos, ser sinceros e, principalmente, tudo que você não conseguir fazer em razão desse momento, respeite seu corpo, não faça. 

Você não está sozinho na dificuldade de concentração, na angústia da alteração tão radical da sua vida, na falta de vontade de se exercitar, pois saiba que sair da cama muitas vezes é passar novamente por tudo que está na parte inicial desse pequeno texto, todos os dias.

Aceite sua condição de humano, aceite estar fraco um dia, admita que não é o salvador do mundo (pois Ele por nós já deu a vida). Procure algo para fazer que lhe propicie alguma alegria, fuja do que te deprime, assista um bom filme, vá para cozinha fazer sua comida preferida, brinque com seu cachorro, leia um bom livro e, acima de tudo, sorria com seus filhos e pais. E saiba que eu e você jamais seremos os “outros”, “nós” seremos sempre “nós”, simplesmente humanos.

(*) Advogado, especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISP-SP

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