Quando o útero não está à venda

25/01/2018 às 21:02.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:58

Cláudia Navarro* 

Em 1990 a novela global Barriga de aluguel popularizou em todo o país o debate sobre gerar um filho em troca de dinheiro. Uma personagem cobrava 30 mil dólares para se submeter a uma fertilização in vitro e ter o bebê, que seria entregue a outro casal. Excessos dramatúrgicos à parte, as pessoas puderam discutir sobre o procedimento e os dilemas éticos que envolvem a “barriga de aluguel” em uma época mais restrita de acesso à informação e quase nenhuma presença da internet.

Quase 30 anos depois, em janeiro de 2018, reportagens dão conta de que mulheres colocam seus úteros à disposição de estranhos em troca de dinheiro. Muitas delas usam as redes sociais, mais especificamente grupos de Facebook (o maior deles tem mais de 3 mil pessoas), para realizar as negociações. Algumas chegam a cobrar até R$ 100 mil por uma gravidez, além das despesas durante a gestação e estadia.

Atualmente chamada de gestação de substituição, a prática se torna criminosa quando envolve pagamento e pode culminar em penas de três a oito anos de prisão, bem como multa. Além de se tratar de prática criminosa, o médico que realizar o procedimento está sujeito às punições pelo Conselho Regional e Federal de Medicina. 

A resolução que trata do assunto do ponto de vista ético foi revisada em 2017 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). As punições podem atingir tanto os pais que pagam pelo “serviço” quanto a mulher que se oferece para gerar o filho.

A prática precisa respeitar alguns aspectos éticos. Um deles é não possuir fins lucrativos. A gestação de substituição pode ser muito útil para auxiliar casais heterossexuais quando há um problema médico que impeça a gravidez da mulher; casais homoafetivos e homem solteiro – essa última passou a ser permitida na resolução de 2017.

O CFM também analisa quem será a mulher que vai gerar o filho. Em caso de parentesco de até quarto grau entre a gestante e o casal ou a pessoa que ficará com o bebê, não é necessária autorização. Se não houver parentesco entre as partes, é preciso que a gestação seja autorizada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM).

Importante salientar que o CRM não tem poder de polícia – não vai investigar se tem dinheiro envolvido ou não, porque não é competência do órgão fazer esse trabalho. Ele vai avaliar toda a documentação apresentada e autorizar o processo ou não. Reportagens destacam ainda que a grande maioria das mulheres sabe que a prática é ilegal e algumas chegam a revelar os truques usados para enganar o CRM e conseguir autorização para realizar a gestação de substituição.

Fica claro que é impossível fiscalizar todas as ações humanas. Nunca foi possível e nunca será. Seguimos, então, ampliando o debate sobre o assunto, levando informação e discutindo sobre os aspectos éticos envolvidos. É importante também o papel da equipe médica envolvida para que todo o procedimento siga as bases éticas, como tudo em medicina.

*Membro do corpo clínico do Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da UFMG e diretora clínica da Life Search

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