Cada vez mais perto

13/01/2022 às 20:10.
Atualizado em 18/01/2022 às 00:53

Eu assistia na televisão, quando era criança, alguém falando sobre uma celebridade, mais comumente internacional, que havia se afastado do trabalho para tratar uma depressão. Não tínhamos internet naquela época, então achávamos que isso era “coisa que só gente rica e famosa tinha”. Lógico, eram deles que as TVs, revistas e jornais impressos falavam.

Os comentários que se seguiam, na esfera comunitária, também eram de uma tamanha ignorância sobre o tema: “isso é porque não tem uma trouxa de roupas para lavar”, “tá bom é de pegar uma enxada e ir capinar um lote”. 

Com o aparecimento da internet, e muitas outras mudanças culturais, sociais - e por aí vai, tivemos acesso a mais informações. Fomos descobrindo que a depressão não era algo existente somente entre os famosos de Hollywood, mas a filha do colega de trabalho também tinha, a mãe do colega de escola, o vizinho da rua, meu irmão e, quem sabe, eu mesmo.

Da minha infância para cá, muita coisa mudou, com certeza. 

Esses dias, uma ex-aluna me mandou uma mensagem pedindo para que eu divulgasse a foto de uma jovem que havia saído de casa e estava desaparecida. Confesso que toda vez que vejo aquele cartaz com a foto de alguém desaparecido, meu coração acelera: penso na pessoa e no sofrimento da sua família. Penso se fosse eu e que eu gostaria, mesmo que eu não tivesse consciência disso, que todos divulgassem.

Decidi que toda vez que chegar até a mim esse tipo de anúncio, verifico a veracidade e divulgo em todas as redes que eu tenho. É o mínimo que eu posso fazer. No dia seguinte à minha postagem, várias pessoas me mandaram mensagens privadas comunicando-me que a jovem já havia sido encontrada, mas sem vida. Pelo que parece ela estava em um processo depressivo.

Dias antes eu tinha conversado com uma psicóloga amiga minha, que tinha publicado sobre o humorista “Esse Menino”, criador do meme “pifaizer”, que revelou que faria uma pausa na carreira por tempo indeterminado para cuidar da sua saúde mental, na mesma semana em que eu soube que o youtuber Felipe Neto também estava em depressão.

A gente ainda trata o assunto da saúde mental como tabu. No passado, as pessoas eram jogadas em manicômios e esquecidas por lá. Vale muito a leitura do livro “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex, que retrata, de maneira bem real, os maus-tratos sofridos por pacientes do Hospital Colônia, em Barbacena, MG. 

Estes cenários passados com certeza contribuíram para a criação da cultura de que o sofrimento mental é coisa de gente louca e, por isso, seria vergonhoso admiti-lo. Fora que estamos numa sociedade hipercompetitiva, a que o sociólogo Zygmunt Bauman chamou de “modernidade líquida”. Bauman falou inclusive da “felicidade líquida”, aquela que precisa ser atestada pelos outros, e que o historiador Leandro Karnal chamou de felicidade cenográfica, construída para o outro ver, mas totalmente falsa, armada, projetada. A esse respeito talvez valesse assistir ao filme “O dilema das redes sociais”.

Jiddu Krishnamurti, poeta indiano do século 19, disse que não devemos nos acostumar a uma sociedade doente. Um dia, falando isso numa aula para CEOs de Minas Gerais e São Paulo, um deles me questionou, dizendo que não é correto falar que a sociedade está doente de hoje, do presente. Dados da Organização Mundial da Saúde dizem que o suicídio foi a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo no ano de 2016. 

Logo no início do mês de janeiro a cantora e compositora irlandesa Sinéad O´Connor postou em suas redes sociais uma notícia muito triste: seu filho de 17 anos havia fugido de um hospital psiquiátrico e dois dias depois foi encontrado, já sem vida. 

A mensagem da cantora me sensibilizou demais. “Meu lindo filho, Nevi’im Nesta Ali Shane O’Connor, a própria luz da minha vida, decidiu encerrar sua luta terrena hoje e agora está com Deus. Que ele descanse em paz e que ninguém siga seu exemplo. Meu bebê. Eu te amo muito. Por favor, fique em paz”.

A fala sóbria de uma mãe, na dor, alertando a todos que esse não é o caminho. Existe no suicídio uma ambivalência de sentimentos que é a de querer morrer para acabar com a dor ao mesmo tempo que quem atenta contra a própria vida quer também sobreviver.

Luciana Rocha, a amiga psicóloga de quem falei no início desse texto, tem um artigo que chama “O suicida não é covarde nem herói”, facilmente encontrado nos sites de busca ao digitar o título. A leitura vale a cada parágrafo, assim como sugiro o desenho “Eu tenho um cachorro preto e seu nome é depressão”, também encontrado nos sites de busca. Este assunto é sério e não mais pode ser ignorado por nós. E se precisar, ligue 188 para falar no CVV.

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