De repente, Califórnia

21/09/2017 às 17:05.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:40
 (Bruno Cantini/Atlético/divulgação)

(Bruno Cantini/Atlético/divulgação)

Bruno Cantini/Atlético/divulgação / N/A

 "Garota, eu vou pra Califórnia...”, canta o Mr. Músculos ao lado, enquanto puxa quilos de peso no aparelho, piscando o olho para a secretária da academia que passava por ali. Nunca gostei de Lulu Santos, muito menos de saradões metidos a tenor, mas admito que minha mente viajou ligeira para a Califórnia antes da segunda estrofe. Não para o estado americano, a meca do cinema, e sim para a região que receberá o estádio do Atlético.

 Sempre escrevi aqui que queria algo de mais concreto do time do Galo em 2017, um esquema definido e jogadores empenhados. Não imaginava que o concreto viria de forma tão literal. Talvez o único grande título do ano será o bancário. De toda maneira, a torcida vê nesta construção “algo muito mais do que um sonho”, como diz a letra. “Na Califórnia é diferente, meu irmão”, alerta a música enjoada.

 É aquela sensação de casa nova, vida nova, de quando deixamos o aluguel e adquirimos um imóvel após muito esforço. O céu passa a ser o limite. Sair do Horto nos traz a sensação de deixar a casa da avó, com seus pés de fruta que subíamos com gosto. Lugar de brincadeira, comida feita no fogão a lenha. Os campeonatos chegaram assim, pedindo licença para entrar, batendo no braço e dizendo “Aqui é Galo!”.

 Casa de vó tem terreiro. Casa de vó tem um pequeno galinheiro. Garnizé, avisa Mãe Rosa, elimina as pragas do jardim, além de adubar o solo. O Independência será sempre lembrado assim: o gramado verdinho, terra fértil de jogadores como Ronaldinho Gaúcho, Tardelli, Jô e Bernard, o quarteto que mais aprontou naquelas bandas. Problema sempre tem, como falava vovó, mas esse é só amassar uma rosca que a gente esquece.

 Casa arrumadinha, como deverá ser a Arena, é muito bom, mas Carlos Drummond de Andrade aconselhava para arrumar de “um jeito que lhe sobre tempo para viver nela”. Para o poeta, “casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda”. Quero encontrar ainda o tropeiro, desfrutado em pé. Quero abraçar quem não conheço após cada gol, cada vitória. Quero ouvir aquele burburinho de quando a bola quase entra.

 Futebol é assim, magia que nos enfeitiça. Como na música, o destino é ser star, mas que deixemos os lençóis revirados “por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia”, nas palavras de Drummond. Brincadeira boa é fazer aquele corredor de luzes vermelhas e fumaça, recebendo o time de braços abertos. É ver, de dentro do estádio, o ônibus chegando ao estacionamento e a torcida se alvoroçar, cantando sem parar.

 Que seja diferente àquela canção do Eagles, “Hotel Califórnia”, em que o luxo nos torna prisioneiros, com espelhos no teto e champagne rosé no gelo. E que eu não precise sair correndo pela porta, “encontrar a passagem de volta para o lugar onde estava antes”. Por outro lado, se serve de bom presságio, é interessante lembrar que, após a Copa, os dois primeiros colocados do Brasileiro são sempre equipes que construíram suas arenas recentemente.

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