Falta o trinco

24/01/2017 às 11:52.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:32

DIVULGAÇÃO / N/A

 Já falei aqui que a casa resolveu se rebelar contra o seu dono, com tudo entrando em pane de uma vez só, da televisão ao vaso sanitário. Semana passada foi o dia em que ela, a casa, também me pôs para fora, não permitindo que eu abrisse a porta como faço todos os dias, ao voltar do trabalho.

Ela, a porta, havia dado sinais de insatisfação dias antes (meses, será?), fazendo doce, demorando um pouco a se abrir e deixando-me impaciente. Falaram-me que tinha que ser com jeito, como se ela fosse uma garota sensível e irritadiça. Quando me negou de vez o acesso, em desespero fiz várias juras de amor. Não adiantou.

Apesar do preço salgado cobrado por um chaveiro 24 horas e da perda de tempo, a espera ao lado do Seu Carlos foi até divertida. Português, falava das curiosidades de sua terra enquanto punha o trinco de volta. Trinco, por sinal, é como eles também chamam o nosso volante, ótima palavra para definir o que aconteceu com o Galo em 2016.

Faltou o trinco, é verdade. Aquele jogador que fechasse a porteira, transmitindo segurança. Busco no dicionário o significado de volante e encontro “algo que pode ser facilmente removido”. Assim espero para a temporada 2017. Espero que, daqui a alguns meses, não esteja lamentando a saída de Donizete e Junior Urso.

O Atlético quer um nome de peso para fechar bem aquele setor. Um deles é o argentino Gago. Seu Carlos, que, ao que parece, não é muito afeito ao futebol, lembrou outro gago, o Gaguinho dos desenhos do Looney Tunes. Quando era um “puto”, sempre lamentava quando o personagem encerrava dizendo “Abadi-abadi-abadi, e é tudo, malta”.

Custei a entender que era o nosso “I-i-i-i-Isso é tudo pe-pe-pe-pessoal!”, mais próximo ao inglês “Tha-tha-tha-tha-that’s all folks!”. No Brasil, a dublagem é feita por Manolo Rey, responsável também pela voz de Michael J. Fox, Tobey Maguire e a do protagonista de um dos meus filmes preferidos de adolescência, Patrick Dempsey, em “Namorada de Aluguel”.

Seu Carlos não parava de falar. Não era só minha casa que precisava de uma reforma. O portuga também (reformar é aposentar, na antiga Metrópole). Aluguel é “aluguer”, como se adotasse um sotaque do interior mineiro. Venda por atacado é “venda por grosso”, expressão perigosa em tempos politicamente corretos.

Não importa se é grosso ou gago, o que o time atleticano precisa é de um volante que faça a diferença e um deles está lá em Portugal, o Elias, vendido ao Sporting pelo Corinthians. A China também cresceu o olho no jogador. Nessa hora, quase me deu vontade de “dar um raspanete” (xingar) o capitalismo comunista dos chineses.

O país oriental leva jogadores às pencas, sem se preocupar em ser “forreta” (mão de vaca). “Cacete!”, digo em bom português. Seu Carlos, que parece ter chegado ontem da vila de Cascais, fixou os olhos no relógio e abriu a maleta, tirando um pão francês de dentro. “Quer um cacetinho?”, perguntou, divertido.

Aberta a porta, indaguei se ele não tinha outros dons, como consertar a “cagadeira” (a popular privada). Se o problema antes era como entrar, agora é como sair. O atacante Carlos, xará do chaveiro, quer ir para o Vitória. “Penso...”, abre a boca o ”meu” Carlos, diante do vaso defeituoso. No lugar de "em quê?", o certo é "o quê?": “penso”, no português de Portugal, é o mesmo que absorvente.

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