Para acreditar de novo, só vendo

26/10/2017 às 10:41.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:24
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Flávio Tavares / N/A 

 Nunca fui bom em Matemática e confesso que não carrego nenhuma expectativa para uma vaga à Libertadores de 2018. Se o Atlético garantir a sua sexta participação consecutiva, seja pelo G-6, G-7, G-8 ou G-9, será mais belos bons serviços prestados até abril, quando foi campeão mineiro e conquistou o primeiro lugar geral da fase de grupos da competição continental, do que pela regularidade na temporada.

 Torcer para Flamengo ser campeão da Sul-Americana, Grêmio da Libertadores e o Cruzeiro permanecer na parte de cima da tabela é demais para um atleticano puro sangue. Não consigo me imaginar na frente da TV fazendo figa para Guerrero emendar uma bola no gol. Ou que o Grêmio, nosso algoz da Copa do Brasil de 2016, ganhe um acréscimo de milhares de alvinegros em sua arquibancada virtual.

 Essa história de “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” só vale para a Copa do Mundo. Time é outra coisa. É como se voltássemos aos tempos medievais, com os feudos, em que os vassalos juravam fidelidade aos suseranos, prometendo servir na guerra após um ritual que envolvia honra e poder. Os estádios refletem essa hierarquia da sociedade medieval, com tribunas e arquibancadas.

 Naquele tempo, havia três ordens: a do clero, a dos guerreiros e a dos camponeses. Uma distinção que pode ser vista em campo. A primeira tem o papel de cuidar da salvação, função exercida no time atleticano por Victor, o milagreiro do Horto, Robinho, que ressuscita em clássicos, e Fred, bendito fruto entre os zagueiros adversários. Cazares poderia estar neste grupo, se não lhe faltasse um pouco de alma.

 Já a ordem dos guerreiros, responsável pela segurança, teria Luan na linha de frente, o Aquiles alvinegro em que a parte frágil é, no lugar do calcanhar, o joelho. Marcos Rocha é o Poseidon, deus das águas e dos chuveirinhos que vez ou outra gera um tritão – monstros marinhos com rostos humanos barbados. Léo Silva é o nosso Odin, o mais velho e sábio dos deuses nórdicos, que já não anda com a cabeça boa (para fazer gols).

 Por fim, os camponeses, aqueles que devem cumprir com as obrigações no feudo. Neste sentido, Fábio Santos parece fazer o trabalho dele e também dos demais. É o que mais corre em campo, o que mais joga. E, na hora de decisiva cobrança, é o que vai lá e marca. Para os críticos, o feudo do Galo não é o mais poderoso agora porque falta comprometimento de alguns em puxar o arado, etapa agrícola importante que antecede à semeadura e à colheita.

 Por justamente não estarem lavrando a terra como deveria, faltando-lhes principalmente dedicação e foco, a vaga na Champions sul-americana surgiria em má hora, levando-nos a crer que temos o grupo ideal em mãos. Vencer o arquirrival no Mineirão também alimenta essa expectativa diferente, como se todos os erros fossem corrigidos de uma só vez, com os atletas transformados em gigantes de uma hora para outra.

 Jogar a Libertadores é o desejo de consumo de qualquer time brasileiro e mexe com o imaginário do torcedor, que se acostumou a ver catimbas, jogos brigados, juízes que apitam para a equipe da casa e muita paixão nos campos dos países vizinhos. Uma vez que se entrou nela, é encarar uma Guerra Santa. No caso do Atlético, seria a décima participação, um número redondo para ser celebrado com outra campanha de fé. E para acreditar de novo, só vendo.

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