Que cheiro foi esse?

10/04/2018 às 19:15.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:16
 (Bruno Cantini/Atlético/Divulgação)

(Bruno Cantini/Atlético/Divulgação)

Bruno Cantini/Atlético/Divulgação / N/A

 Devo à final do Campeonato Mineiro uma de minhas mais recentes descobertas: futebol tem cheiro. Não se fala de outra coisa após o clássico, de odores bons como o respiro aliviado proporcionado por um título a outros malcheirosos, que nos remetem a uma disputa catinguenta, como diria minha avó, que vem desde o primeiro confronto de 2018, envolvendo Otero e Edílson.

Para mim, futebol só tinha dois sentidos: a visão e a audição. Nada melhor do que acompanhar a jogada de um gol e ouvir a emoção crescendo na torcida até o grito catártico. Cheiro, só for do tropeiro e do churrasquinho feitos no lado de fora do Independência, antes de a bola começar a rolar. Ou da pólvora dos fogos de artifício no momento da chegada do ônibus do Atlético.

Antigamente se falava em gosto da vitória, até porque tudo que envolve o paladar parece durar mais tempo – afinal de contas, temos o controle daquilo que vamos ingerir. Se é bom, geralmente nos saciamos com vagar, postergando ao máximo a sensação. Já o cheiro é fugaz, chamando a atenção para logo depois desaparecer no ar, sem maiores explicações.

Cheiro dura pouco, na mesma dimensão de um clássico. No espaço de uma semana, Otero foi do céu, herói no primeiro embate, ao inferno, com uma expulsão ocorrida aos 20 minutos de jogo. Para ficar no mesmo universo sensorial, o venezuelano foi do perfume das flores àquela comida que esquecemos por dias na geladeira, só descobrindo após abrir a porta e contaminar todo o ambiente.

Fiquei sabendo, após ler uma revista de consultório de dentista, que cheiros podem matar, provocando reações bioquímicas em nosso organismo. Entre as substâncias estão a amônia, o clorofórmio, o tetracloreto de carbono e o ácido sulfídrico. Em geral, elas bloqueiam as vias respiratórias e provocam asfixia. O metano, o mesmo que está na composição do pum, não mata. Mas, pelo jeito, provoca hidrofobia.

Otero cheirou o bumbum de Robinho, sinalizou o seu desgosto pelo o que sentiu e, como resultado, pôs pilha no time adversário. Se o Cruzeiro entrou no Mineirão com tanta eletricidade se deve, em boa parte, a um suposto fedor que ninguém mais sentiu. Falou-se em troco, em vingança e em calar a boca do camisa 11, mas, na prática, a atuação do atleticano foi completamente inodora.

Tão rápida foi a sua participação dele no jogo que mal deu para o cheiro. Rapidamente meterem o nariz onde não eram chamado. A expressão é antiga, de origem duvidosa, mas certamente tem a ver com o fato de narizes quase roçarem pescoços ao sussurrarem fofocas em salões de tempos idos. Usa-se mais “meter o bedelho”, que, no pôquer, significa ter cartas de pouco valor que nos levam a blefar.

O Atlético blefou bem até domingo, quando ficou visível (para não dizer, “cheirável”) a falta de peças de reposição no elenco. A saída de Otero significou a perda de várias possibilidades ofensivas, da bola parada às investidas em velocidade na área. No banco, as sensações olfatórias eram quase nulas. O que me faz pensar o quanto um nariz pode ganhar uma partida.

Otero, é bom lembrar, realizou uma cirurgia no nariz há cerca de um mês. Dizem que foi por estética, mas se imaginarmos que a falta de intensidade olfativa pode desencadear problemas diversos no corpo, especialmente de cunho emocional (o interesse por sexo, por exemplo), num caminho inverso os nervos à flor da pele do atacante podem nos levar a especular que ele vem captando muito mais moléculas aromáticas.

Neste sentido, o bom futebol de Otero deverá voltar a prevalecer nesta quarta, diante do San Lorenzo, na estreia da Copa Sul-Americana. Num estádio chamado Nuovo Gasómetro, ninguém melhor do que ele para encontrar um combustível extra. Apesar de o cheiro de gás ser propositadamente desagradável, igual à repolho podre, para chamar a atenção em caso de vazamentos, qualquer energia nova será bem-vinda após um clássico de fragrâncias tão fortes.

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