Sem coletes salva-vidas

28/02/2020 às 10:47.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:47
 (Euromariosilvaoficial/Afogados)

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Euromariosilvaoficial/Afogados / N/A

 Confesso que cheguei a torcer para o Afogados da Ingazeira por alguns momentos. Com um nome que já exprime a sua condição mais humilde (“afogados”, vamos combinar, não serve como grito de guerra de torcida e já é meio título pronto de matéria), revelou-se um esperto Davi do sertão frente ao Golias lento e pesadão das Alterosas. Um Atlético que, enfim, “afogou-se” no jogo e, arrisco dizer, no ano.

Fiquei com inveja da raça que os pernambucanos exibiram em campo, como se tivessem fazendo a partida da vida deles. Na verdade, o confronto ganhou, na cidade, essa conotação de duelo mortal, até por seu histórico: foi lá que nasceu Antônio Silvino, um dos mais importantes cangaceiros, conhecido como “rifle de ouro”. De fato, os tiros do Afogados foram certeiros e belos, demonstrações de boa técnica.

O Galo, por sua vez, parecia estar em outra partida, como se precisasse realizar um esforço cinco vezes maior em outra gravidade. Os pernambucanos surgiam, sob os efeitos da caatinga, como um Liverpool, a ponto de os mineiros começarem com uma formação de três zagueiros, sem um meia de ligação – com resultado para lá de medíocre, diga-se, já que o Afogados conseguiu marcar duas vezes no tempo normal.

Havia só um time que queria jogar e não era o Atlético. E quando comecei a ouvir “Eu Acredito!”, não tive dúvidas sobre quem merecia um final feliz. Adoro dramas edificantes e o time sertanejo era o perfeito exemplar deste gênero. Uma equipe pobre e lutadora que, como uma moça ao meu lado notou, usava calções que entravam no bumbum – não foram poucas as vezes que a TV mostrou jogadores fazendo aquela famosa “puxada”.

Fruto ainda, talvez, dos tempos de domésticas que conseguiam viajar para a Disneylândia – no caso, o parque de diversões foi um adversário que só fez, neste ano, nos tirar do sério. No lugar das macaquices de Michael, havia do outro lado um goleiro todo de vermelho e com boné do MST, apesar de o acessório ser completamente dispensável à noite. Chamou tanto a atenção que tirou a concentração de Allan e Nathan nas cobranças de pênaltis.

Não se poderia esperar algo diferente de um clube nascido à beira do rio Pajeú, nome também de um dos mais aguerridos seguidores de Antônio Conselheiro na guerra de Canudos. Contra o exército republicano, como bom de tocaia que era, criou muitas arapucas aos inimigos. O Galo, porém, parece ter caído nesta armadilha quase por vontade própria, desenhando o maior vexame de sua história.

Se você acredita em destino, este encontro já estava marcado desde 18 de dezembro de 2013. Foi nesta data que o Atlético de Ronaldinho Gaúcho e companhia perdeu a semifinal do Mundial de Clubes, de forma inesperada, para o marroquino Raja Casablanca. Mesmo dia, por sinal, da fundação do Afogados. Mal sabiam os dirigentes do time pernambucano que a escolha marcaria uma feliz coincidência, pouco mais de sete anos depois.

Para quem imaginava que nada poderia ser pior do que ser eliminado por Raja Casablanca, além de Jorge Wilstermann, Londrina e Unión Santa Fe,  o time mineiro deixou de se afogar chegando à praia para morrer em alto-mar, sem nada à vista para apontar qual caminho a ser seguido. Neste barco, esqueceram de colocar os coletes salva-vidas.  

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