Ópera Bufa

13/04/2016 às 21:22.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:56

Antônio Álvares da Silva (*)

O Brasil se transformou numa imensa e completa ópera bufa em que solistas medíocres cantam desafinadamente para um público triste e desesperançado. A cena é assombrosa. Os presidentes da Câmara e do Senado estão sendo processados criminalmente por atos incompatíveis com os cargos que exercem. Na Câmara, o ridículo se torna intolerável: o presidente que cometeu crimes gravíssimos, alguns já provados, dirige o impeachment de um presidente da República eleito pela livre vontade do povo brasileiro.

A presidente é acusada de “pedaladas”, procedimento tolerado por todos os seus antecedentes modernos. Não houve corrupção ou fraude, mas uma irregularidade administrativa. Por isto vai perder o cargo em impeachment dirigido por acusados de crimes? Onde está o princípio da proporcionalidade?

Fala-se numa “liquidação de cargos”, como se fosse o governo que os tivesse criado para negociar votos para evitar o impeachment. Falso. Estes cargos já vêm de longe e nomeação para os escalões inferiores foram e são preenchidos por apadrinhados de políticos. Por que não se aproveita a situação para extinguir tais cargos e terminar com este vil comércio, do qual participou em toda sua história o PMDB, hoje na oposição, sem olhar para seu próprio passado.

Criou-se no país um ambiente contrário à presidente. O impeachment segue sem que contra ela nada se prove. O partido que a apoia, de início uma esperança de renovação da política nacional, hoje perdeu a dignidade. Esfacelou-se em corrupção e a repulsa contra ele transferiu-se para a presidente. Será que somos todos incapazes de distinguir as coisas?

A presidente Dilma praticou vários erros em seu governo. Isto ninguém pode negar. Basta viver no Brasil. Mas todos os outros também praticaram outros erros, iguais ou maiores do que os dela. E saíram glorificados da Presidência e hoje, olhando de cima para baixo, propõem a renúncia da presidente.

O ódio ao partido de sustentação é tão grande que sobrou um pedaço para a presidente. Confundem-na com os rostos cansativos de corruptos que vemos a toda hora na televisão. No entanto, não há uma prova nem um processo contra Dilma Rousseff pessoalmente. Talvez seja ela a única pessoa ligada à política que tem um passado limpo neste país.

Querem apeá-la da presidência porque desejam assumir seu lugar, não pela vontade do povo, mas pelo tortuoso caminho de um golpe jurídico, armado sem fundamento, contra quem não praticou crime algum.

O Congresso Nacional precisa ter consciência da dimensão integral do momento histórico que vivemos. Seria útil que ele fosse pacificador e não incendiário. Pequenos erros já causaram grandes desastres na história dos povos. Se o impeachment retirar a presidente da cadeira em que hoje legitimamente se assenta, ninguém sabe o que vai acontecer nas ruas deste imenso país. O povo também sabe reagir e tem ministrado lições cruéis àqueles que o traem.

Por que não dar solução democrática à crise política? Por que os políticos não dialogam para arranjar uma saída ao impasse que eles mesmos criaram? Um governo de coalização, no qual tomariam parte representantes dos principais partidos ou um parlamentarismo ou semiparlamentarismo com um primeiro ministro ou chanceler indicado pelo presidente da república eleito pelo povo poderiam ser uma solução de consenso e inteligência da classe política.

Mas parece que não gostamos de resolver problemas pela via da paz e do entendimento. Estamos jogando fora a razão que distingue o homem dos outros animais, e preparando uma ampla fogueira que pode pegar fogo a qualquer instante. E ninguém sabe quem vai ser jogado lá dentro.

(*) Advogado e professor

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