A pergunta no tratamento desumano das mulheres é sempre a mesma: até quando?

24/11/2021 às 15:24.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:19



O Brasil incorporou a tradição de comemorar o Halloween, festa típica norte-americana também conhecida como Dia das Bruxas. Nela, as pessoas saem fantasiadas de elementos ditos sombrios para se defenderem dos chamados maus espíritos que pairariam por aí nesse dia, uma vez que a data é celebrada anteriormente ao Dia de Todos os Santos.

Como o brasileiro é divertido e espontâneo, muitas vezes opta por fantasias engraçadas e que espelham desde a realidade vivenciada no país em forma de crítica social (caso de alguns fantasiados com a camisa da Seleção brasileira), como dupla de namorados que viram os dois lados de um sutiã.

Em Manaus/Amazonas, um tatuador resolveu se fantasiar de goleiro Bruno, vestindo uma camiseta do time em que ele atuava à época em que foi preso, e posteriormente condenado, com o nome de “Bruno” nas costas e segurando um saco de lixo com o nome de “Eliza” (em referência a Eliza Samudio, que foi assassinada e é mãe do filho do goleiro).

A piada não é apenas indigesta, é imoral e ilegal. Imoral porque numa sociedade onde se registram cerca de quatro mortes de mulheres por dia, exclusivamente por serem mulheres, e uma marca de 1.338 mortes só neste período de pandemia, quando boa parte delas estão trabalhando em casa, fazer piada de um assassinato de uma mulher e mãe não pode ser considerado ingênuo. Ilegal porque feminicídio é crime no Brasil e o goleiro Bruno não só foi condenado, como  desrespeita os direitos de Eliza de ser enterrada por sua família, já que o corpo até hoje não foi encontrado.

Esse tipo de “brincadeira”, na verdade, é apologia de crime, previsto no artigo 287 do Código Penal Brasileiro, que diz: “Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa”, incentivando que Bruno é exemplo a ser seguido e Eliza merece estar num “saco de lixo”. Sua mãe, inclusive, se manifestou, afirmando a tristeza de sua filha ser apresentada deste modo.

Esse tatuador acabou sendo demitido do estúdio em que trabalhava (era sócio e a parceria foi desfeita, segundo um dos representantes) após repercussão no Instagram, onde a foto foi publicada e depois apagada na página numa casa de shows, que se desculpou pela divulgação da imagem e a excluiu posteriormente.

A mãe de Eliza informou que adotará medidas judiciais pelo ataque contra a memória de sua filha. Toda nossa solidariedade a ela e ao filho de Eliza. O que fica, além da indignação, é a pergunta: até quando a sociedade continuará a achar divertido agredir, mutilar, violentar, tratar desigualmente no ambiente de trabalho, em casa, na sociedade como um todo, matar mulheres (cis e trans) e, como se não bastasse, as desrespeitar em sua memória, como se isso fosse algo mais que aceitável, normal?

É preciso dar uma basta, de uma vez por todas, neste tratamento desumano às mulheres e à idolatria do machismo. O mundo só muda quando você muda.

*Advogada trabalhista e de diversidades em Crivelli Advogados

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por