Adoecimento mental em tempos de coronavírus

17/06/2020 às 19:57.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:48

Maria Rita Britto Tupinambá*

Dificilmente as pessoas se submetem a situações de pressão e incertezas de forma passiva. O adoecimento é uma resposta dos indivíduos aos fatores externos identificados como risco à saúde. Provisória ou não, uma doença mental é uma reação do organismo à pressão do ambiente, que neste momento ganha novos e inéditos contornos.

A pandemia de Covid-19 se apresenta à população como uma ameaça à proteção social e individual e como uma exposição constante ou intermitente a situações conflituosas, agudas e por vezes perigosas pela presença desta ameaça invisível. Vivemos uma situação inédita que retirou de nós a vivência plena de liberdade que vínhamos experimentando.

Temos vivido uma constante expectativa, que é por definição ansiosa. Por estarmos todos em alguma medida vivenciando um aumento de tensão e conflitos, algo importante de considerarmos sobre o agora é que sintomas que já existiam podem ter sido piorados e até mesmo podem emergir novos sintomas. O que quero dizer é que esta ameaça invisível que pode nos pegar, será somada às nossas angústias, aos nossos sintomas, podendo até mesmo criar novas angústias e sintomas.

A doença, sob esse ponto de vista, torna-se uma experiência que vai além de uma disrupção das funções regulares da pessoa, indo em direção ao sofrimento e à percepção do próprio indivíduo a respeito de sua indisposição e daquilo de que compadece. Apesar da legitimidade do diagnóstico da medicina, uma doença não é constituída apenas por sinais e sintomas. Toda doença tem uma dimensão social e por isso existe em sua forma individual e subjetiva. A forma como um indivíduo e uma sociedade interpretam uma doença evoluem e acompanham o tempo e espaço presentes.

Em seu escrito “o mal-estar na civilização”, Freud (1996) levanta questões sobre os impasses do conviver em sociedade e do quão inerente aos seres humanos são esses empecilhos. Para ele, as fontes geradoras de sintomas presentes numa sociedade são: a fragilidade dos corpos, fadados ao envelhecimento e finitude, processo este acrescido de sofrimento e ansiedade; a superioridade da natureza, que nos coloca impotentes frente à sua força de destruição, evidenciando o fato de não controlarmos tudo; e, por fim, o sofrimento advindo das relações sociais, que nas palavras do autor “(...) talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro”. (FREUD, 1996, p.50)

Ao trazer Freud para esta discussão, quero marcar o mal-estar trazido pela situação atual que agrava a condição da sociedade contemporânea. Estes novos tempos apontam para uma mudança na forma de vermos o adoecimento mental. De encararmos a nossa condição diante da superioridade do vírus e de desenvolvermos novas formas de relação com os outros. E finalizo deste ponto porque penso que não tem como uma experiência não transformar um sujeito, seja ela boa ou ruim.

*Psicóloga clínica, professora das Faculdades Promove e mestre em Desenvolvimento Social
 

  

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