Celulares, pets e o nosso tempo

20/01/2020 às 16:18.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:21

Jimmy Cygler

Dia desses, passei em frente a uma praça próxima à minha casa e vi uma cena que me chamou a atenção. Enquanto as pessoas que praticavam caminhada o faziam como se fossem robôs, checando de tempos em tempos a tela do celular, aquelas que estavam no espaço reservado para cães, com seus respectivos pets, pareciam enturmadas, leves, pacientes e sem pressa.

Isso me levou a refletir sobre como os animais e sua capacidade de nos entreter podem nos tornar pessoas mais “humanas”, na mesma proporção em que os smartphones são capazes de reduzir nossa capacidade de sociabilização do tipo “olho no olho”.

Uma pesquisa realizada pelas empresas Hootsuite e We Are Social mostrou que o Brasil é um dos campeões mundiais em tempo de permanência na rede. Ficamos conectados, em média, nove horas e 14 minutos por dia, atrás apenas da Tailândia (com nove horas e 38 minutos) e Filipinas (com nove horas e 24 minutos). O modo de acesso exclusivo pelo celular é ainda mais rotineiro nas classes D e E; já nas classes A e B há outros dispositivos em que o usuário se conecta. Assim, fica evidente que o baixo custo dos dispositivos móveis é decisivo para o crescimento de sua utilização.

Quantas histórias você já escutou de pessoas que estão caminhando na rua e caem numa piscina ou batem com a cabeça em algum lugar por terem sua atenção totalmente focada na tela do celular? Isso prova que claramente elas estão isoladas no ambiente virtual, dedicando seu tempo às relações digitais, em detrimento do contato pessoal.

Precisamos reconhecer que a tecnologia tornou nossas vidas muito mais práticas: fez com que o trabalho passasse a ser muito mais produtivo, encurtou distâncias, proporcionou inúmeras facilidades e otimizou os contatos. No entanto, ela traz uma clara tendência para o isolamento.

Uma outra pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas indicou que, para 41% dos jovens brasileiros, as redes sociais causam sintomas de ansiedade, tristeza e depressão. Eles também são os que menos confiam no digital. Em contrapartida, os mais velhos são os que mais confiam na tecnologia, pela oportunidade de se conectarem com pessoas distantes.

Curiosamente, os jovens estão cada vez mais nervosos com a possibilidade de perder alguma coisa que está acontecendo no mundo ou no seu ciclo de amizades. Esse é o motivo pelo qual querem checar o celular muitas vezes por dia.

Costumo dizer que existe um senhor absolutamente implacável que controla a nossa vida, chamado tempo. Ele tem uma função fundamental em uma equação simples: se eu estou aqui, não posso estar lá. Se tenho minha atenção voltada para uma tela, não é possível me envolver em outra atividade – pelo menos não com a mesma intensidade. E a relação abundante de hoje mostra que o divertimento, os amigos, a família, os relacionamentos amorosos e até eles – os pets – perderam espaço para a rotina altamente conectada. Logo eles, nossos grandes companheiros há mais de 12 mil anos.

Quando morei em Israel, há 20 anos, eu tinha três cachorros, em um apartamento de 84 metros quadrados, sendo um deles da raça rottweiller. Era uma grande bagunça e o que me restou na memória é que minha família era muito feliz. Hoje, tenho uma shih-tzu, uma verdadeira doçura, mas que, certamente, recebe muito menos atenção do que meu rottweiller 20 anos atrás.

Sobretudo porque sou um usuário intenso de meios digitais.

Eu falei sobre pets porque só quem os tem sabe como eles podem ser especiais. Só eles têm o poder de tornar sua chegada triunfal depois de um dia exaustivo de trabalho. Só eles conseguem render uma boa história sobre comer sua câmera, destruir sua cortina ou até um xixi no banco do carro novo – e fazer você rir disso. Mas poderia ser sobre um filho, avós, marido, esposa...

Como eu disse, o tempo é um gargalo absoluto. E talvez estejamos investindo cada vez menos onde tem amor de verdade.

CEO do Grupo Proxis

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