Dilma, Lula e o Judiciário

23/03/2016 às 22:16.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:37

Antônio Álvares da Silva (*)

O que a nação presenciou com a nomeação de Lula a ministro foram cenas surrealistas e ridículas. A Constituição é expressa quanto às atribuições do presidente da República. Compete-lhe “nomear e exonerar ministros”- art. 84, I. A norma é taxativa e suas palavras são diretas. Qualquer exegese que lhe retire o vigor é exceção e, como tal, tem de ser interpretada restritivamente. Caso contrário, a administração parará e o presidente não terá meios de conduzir o país.

Não foi isto, entretanto, o que se viu. Construiu-se uma longa armação para anular o ato da presidente. A nomeação teria por finalidade livrar Lula de ação penal já iniciada em São Paulo, na qual foi pedida sua prisão preventiva. A condição de ministro o livraria de possível prisão pelo juiz Sérgio Moro, a quem os autos fora remetidos.

O primeiro erro consiste em ver desvio de poder em norma de competência expressa da Constituição. A prova virou de cabeça para baixo. Simples suspeita derruba um mandamento constitucional e a exceção pode mais do que a regra geral. Conversas telefônicas confusas, de validade legal duvidosas, serviram de base à liminar de Gilmar Mendes para invalidar um ato legítimo da presidente da República.

O segundo erro consiste em supor que, por se tornar ministro, o ex-presidente Lula foi inocentado. Nada mais falso. Por prerrogativa de foro, seria sentenciado pelo STF, que tem competência para fazer um julgamento no mínimo igual ao do juiz de primeira instância. O processo não atrasaria. Pelo contrário, teria curso rápido, pois a Suprema Corte tem tarimba e eficiência para este tipo de processo. Se merecer condenação, Lula a sofrerá, na primeira instância ou no STF.

Ao se afirmar que a intenção do governo é “tirar Lula das mãos do juiz Sérgio Moro”, dá-se a entender que ele é melhor do que o Supremo para julgar criminosos da “Lava Jato” ou quaisquer outros. Isto seria uma afirmação presunçosa e descabida. Juiz não é justiceiro. Julga serenamente de acordo com a prova dos autos, procurando a melhor solução para o conflito, seja ele de que instância for.

Quem ler a transcrição dos diálogos em que Gilmar Mendes se baseou para suspender a eficácia da nomeação do ex-presidente Lula imediatamente perceberá que se trata de conversa mantida na intimidade, em linguagem chula e grosseira, sem outra pretensão a não ser a troca de opiniões sobre Lula e sua nomeação. Será que tal fato, corriqueiro e mesquinho, servirá para invalidar o ato de nomeação de um ministro da Presidência da República?

Não pode ser com base em conversas particulares em que pessoas trocam opiniões e confidências que se vai jogar por terra um princípio constitucional claro e explícito.

Este fato corre paralelamente ao impeachment da presidente e serve para exaltar mais ainda os ânimos. É preciso que todos tenham serenidade e respeitem as instituições democráticas das quais agora tanto se fala, e com muita razão. Temos uma presidente escolhida por eleição legítima. Arrancá-la do poder sem que se aponte ato criminoso pessoal que a comprometa é colocar em risco a democracia que tanto prezamos. Má administração não é motivo para cassar presidentes. O que as forças políticas devem fazer é unir-se e ajudar o governo a superar o mau momento que vivemos e não incentivar ódios e divergências. Se houver confronto, não haverá ganhadores. Mas um perdedor é certo: todos nós.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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