Droga e direção, não!

15/06/2016 às 06:00.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:53

Tiago Peixe*

Quando motoristas que representam apenas 4% da nossa frota veicular estão envolvidos em mais de 40% dos acidentes com mortes nas estradas, o Estado deve agir para proteger os outros 96% de tão evidente risco. A forma mais eficaz de evitar ocorrências totalmente previsíveis e fáceis de serem identificadas é, sem dúvida, a prevenção. Atacar a causa e acabar com o foco, impedindo que seus efeitos se propaguem, é a única forma de debelar o problema.

Segundo especialistas, o fato de as substâncias psicoativas levarem do hábito à frequência, em curto espaço de tempo, dispara, rapidamente, o gatilho da ação químico-dependente, que, por sua vez, faz com que o comportamento atual seja preditor do comportamento futuro.

Isso quer dizer que, se testamos hoje um candidato a motorista com índices que apontam a dependência, certamente, por manifestação do vício, sem o adequado tratamento, ele estará fadado a permanecer dirigindo sob o uso de drogas e provocando as já tão conhecidas tragédias reportadas aos milhares anualmente no Brasil. Somos o terceiro país com mais mortes no trânsito no mundo.

Para que não fiquemos apenas no campo da ciência toxicológica, faz-se necessário informar ao público que os motoristas profissionais que dirigem sob o efeito de “drogas” o fazem em função das questões mercadológicas. Além da dependência química que a droga provoca, há sim a necessidade da classe profissional dirigir por período de tempo que extrapola a capacidade natural do organismo.

O vício, nesse caso, é uma consequência das imposições de mercado, que exige que certas cargas sejam entregues em períodos de tempo inexequíveis, se não houver um revezamento dos profissionais ao volante. Uma má escolha pode trazer prejuízo a si próprio, à sua família e também à sociedade.

O exame do cabelo permite verificar as concentrações das substâncias avaliadas. Isso nos remete à possibilidade de atacar a causa, agir de forma preventiva e impedir que usuários tenham acesso às atividades em que o potencial comportamento incapacitante nos exponha ao risco coletivo. Infelizmente, os casos de acidentes evitáveis em função da droga ocorrem, diariamente, resultando em milhares de mortes. De forma irresponsável, permitimos que o massacre aconteça pela omissão pública do Estado.

Medidas repressivas são válidas apenas nos casos que rompem a barreira da ação preventiva. Estas são eficientes, muito mais pelo aspecto psicológico, do receio à repressão, que pela ação efetiva de fiscalizar.

O Brasil dispõe de mais de 200 mil quilômetros de estradas. Portanto, seria necessário um exército de homens para varrer quem usa drogas nas rodovias brasileiras. Além de ser uma missão inatingível, é evidente incapacidade corretiva. Afinal, não visa evitar o problema e as mortes, mas sim punir a posteriori e a custo impagável e equivocado.

Retirar preventivamente as substâncias psicoativas que driblam a fadiga e enganam o corpo é a única forma de impedir as jornadas impostas ou auto-impostas aos nossos motoristas. O drible na fadiga destrói os reflexos, retira a concentração, provoca alucinações e elimina a capacidade reativa autônoma de quem conduz vidas e valores em veículos de grande porte, inadvertidamente, transformados em armas em nossas ruas e estradas.

(*) Tiago Peixe é toxicologista e pesquisador da Universidade de Londrina

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