E la nave va

25/08/2016 às 14:57.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:32

Paulo Paiva*

Inicia-se por fim o último ato do afastamento da presidente Dilma Rousseff.  Foram quatro longos meses de discussões, num processo que já se prenunciava definido desde seu começo na sessão da Câmara dos Deputados que optou pela admissibilidade da denúncia, em um domingo de outono.

A população vem assistindo os atos, conhecendo os atores e se informando sobre o enredo. Enredo complexo para a maioria das pessoas que agora aguardam o seu desfecho final, a chegar às vésperas da primavera. 

Questões difíceis foram surgindo e levantando dúvidas nos espectadores. Por que impeachment? Qual o crime que a presidente cometeu? O julgamento é jurídico ou político?

O crime denunciado não é de fácil compreensão. Não se trata de corrupção nem de qualquer crime comum. Trata-se de crime de responsabilidade. Os senadores acolheram o parecer do relator, senador Anastasia, admitindo que, em 2015, houve descumprimento de normas legais tanto na publicação de decretos autorizando a abertura de créditos adicionais, sem respeito às metas orçamentárias estabelecidas e aprovadas pelo Congresso Nacional, quanto pela realização de operações de créditos com instituições financeiras oficiais; o que é expressamente vedado pela legislação vigente. Eis aí a base legal do impeachment.

O julgamento no Senado não é semelhante ao do juiz que lavra a sentença explicitando as razões de sua decisão. Ao contrário, os senadores votam sem necessidade de justificar a decisão. Sim ou não, eis o caráter político dessa sentença.

A decisão de cada senador é construída por convicções, preferências e avaliações do desempenho do governo em causa e do cenário futuro. Não necessariamente uma decisão política em si indica um viés para algum lado. Poderá ser favorável à permanência da presidente Dilma, se apenas 28 senadores acreditarem que seu retorno oferece um futuro mais promissor do que seu afastamento. Mas quem crê nisso?

No ato final, como em um velório no Senado, a presidente ressuscitará para falar aos senadores e à sociedade, com simpatia e sem arrogância; o que não fez durante todo o seu mandato. Agora será tarde. Termina o enredo, como no filme de Fellini. E la nave va com suas cinzas. 

(*) Professor da Fundação Dom Cabral e ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo FHC

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por