Entre a economia e a política

01/07/2016 às 06:00.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:07

Paulo Paiva*

Em meu artigo “2016 sem ilusões”, publicado neste espaço no dia 15/1, escrevi: “a recuperação da confiança é a última ilusão que nos resta. Isso passa, porém, pelo plano político, onde as incertezas são imensuráveis”. Eu imaginava um ano difícil na economia com incertezas na política, mas não antevia o desdobramento da crise política como ocorreu.

Desde então, muitas coisas mudaram. O processo de impeachment da presidente prosseguiu. Ela está afastada do cargo, o presidente da Câmara também, e há denúncias contra o presidente do Senado. 

O país está sob o comando interino do vice-presidente. Agora, sim, a economia está sob nova administração. Não obstante, segue a estagflação, causada pela péssima gestão do governo anterior. Seis meses passados, continuamos ainda apegados à última ilusão que nos restou: a busca da confiança.

O governo Temer entendeu que, no plano econômico, é preciso rapidamente recuperá-la, começando pelo controle dos gastos públicos. Para tanto, encaminhou projeto de emenda constitucional ao Congresso Nacional e fechou acordo com os governadores, congelando nos próximos 10 anos, em termos reais, as despesas da União e dos Estados. Seu objetivo ao propor um novo regime fiscal é sustar o aumento descontrolado da dívida pública, visando a reconquistar a confiança na economia.

Os primeiros sinais são promissores. As medidas foram bem recebidas no mercado, embora poucos tenham noção das dificuldades de sua implantação e de suas consequências.

A confiança tem sua dimensão política, também. A sociedade espera por um novo regime político sem os vícios do atual. A composição do ministério, excluída a equipe econômica, trouxe mais frustrações do que esperanças. Três ministros já foram afastados por indícios de envolvimento em corrupção ou de tentativas para obstruir as investigações da Operação “Lava Jato”.

Certamente, o presidente Temer analisou seus desafios, ponderou suas chances e, por fim, fez sua escolha, propondo um novo regime fiscal, descartando qualquer mudança na política no período de sua interinidade. 

Tem Temer suas razões. Precisa que o Senado aprove o impeachment da presidente Dilma para que possa passar da interinidade à plenitude do mandato presidencial. 

Com sua experiência política, sabe das dificuldades em conseguir apoio no Congresso Nacional para fazer reforma política que afete o atual status quo, como acabar com 1) a autonomia para a criação ilimitada de partidos, 2) o voto proporcional para deputados e 3) a realização de coligações partidárias nas eleições parlamentares. 

Ademais, tem lá seus compromissos com sua base de sustentação nessa difícil travessia. Devemos lembrar que sua reeleição para a presidência do PMDB somente foi possível com o apoio de lideranças expressivas no partido e no Congresso Nacional e que hoje dão suporte ao seu governo, como o presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha. 

Será a confiança realmente reconquistada em sua plenitude sem uma reforma política? A ver. 

(*) Professor associado da Fundação Dom Cabral. Foi ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo FHC

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